Ingool (de novo)

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Coluna publicada no dia 21/10.

A Câmara de Vereadores de Canela estava mais movimentada ontem. Quem usou a Tribuna do Povo foi Berenice Felipetti, a proprietária da Ingool — aquele espaço que todo mundo conhece, com a quadra, a escolinha, o prédio que já foi palco de tanta conversa e polêmica. Berenice não foi lá pra cutucar ninguém, nem pra causar, mas pra falar sobre os 25 anos de história daquele lugar. E também, claro, sobre tudo o que rolou no último mês, desde o imbróglio da tentativa de desapropriação até a revogação do decreto pela prefeitura.

Ela falou com serenidade, sem tom de briga, mas com um misto de lamento e desabafo. Disse que, mesmo sendo a dona do imóvel, hoje não pode mexer do jeito que gostaria, porque ali funciona uma escola. E é verdade — tem toda uma história ali dentro. A Ingo Lied é mais que uma escolinha: é um espaço de afeto, de infância, de famílias que se criaram dentro daquela rotina.

E quando Berenice falou, todo mundo lembrou da novela que foi esse assunto: a prefeitura decretando desapropriação, a escola descobrindo pelo jornal, os pais sem entender o que estava acontecendo, a falta de conversa, o bate-cabeça. Foi o tipo de história que podia ter sido simples, mas acabou virando ruído.

O que realmente deu errado

Muita gente achou que o problema foi a tal desapropriação. Mas, sinceramente? Não foi isso. O problema nunca foi a ideia — foi o jeito.

Porque, convenhamos, querer transformar aquele espaço numa escola pública é uma boa intenção. É nobre, até. Um prédio central, grande, com estrutura, que poderia abrigar um projeto bonito, uma escola modelo, como o governo tanto fala. Quem é que seria contra uma ideia dessas? Ninguém em sã consciência.

O que pesou foi a forma. Foi o “como” se fez. A escola ficou sabendo pelo jornal, os pais ficaram idem, e o resto foi confusão. Faltou diálogo, faltou explicar o que estava sendo planejado. E quando não tem explicação, o povo cria versão.

Não houve uma reunião antes, não teve conversa direta com quem estava lá dentro, com quem ia ser afetado. E aí, quando o decreto saiu, a sensação foi de atropelo. Todo mundo pegou ranço do processo — não da ideia. E isso, pra mim, é o ponto que define essa história.

Escola modelo

Berenice, na tribuna, deixou claro que ela mesma não era contra a desapropriação. Pelo contrário — sabemos que a proposta foi aceita de plano. Só que o que veio depois foi o silêncio. Ninguém mais ligou, ninguém mais explicou, ninguém mais conversou. E, claro, não é responsabilidade dela, que, inclusive, notificou a escola que teria aceito a proposta.

E do outro lado, a escola. A Ingo Lied — que, diga-se, ganhou o direito judicial de continuar ali, lá atrás, quando houve outro impasse. Ou seja: por mais que o imóvel seja particular, há um direito reconhecido de permanência da escolinha, e isso pesa para Berenice, ficou claro.

O espaço que a Ingo Lied ocupa é improvisado, sim. A própria Berenice disse isso, e com razão. Mas se a prefeitura tivesse levado adiante a desapropriação, teria que derrubar tudo e construir de novo, porque do jeito que está, nada ali seria escola modelo. Ou seja: de um jeito ou de outro, o improviso estava no roteiro.

O que poderia ter sido feito diferente

É simples: bastava diálogo.

Imagina se, lá no começo, a prefeitura tivesse chamado a direção da escola, as professoras, a dona do prédio, e dito: “Olha, a gente quer transformar esse espaço numa escola pública, modelo, bonita. Vocês estão fazendo um trabalho importante, a gente quer conversar, ver uma forma de todo mundo sair ganhando”.

Será que haveria oposição? Duvido muito. Quando há clareza, as coisas fluem. Mas o que aconteceu foi o contrário. A comunicação veio do nada, e as pessoas ficaram sabendo de “supetão”. E, olha, ninguém gosta de ser pego de surpresa, ainda mais quando o assunto envolve o trabalho de uma vida inteira.

O resultado foi o que a gente viu: o governo recuou, revogou o decreto, e o caso ficou mal resolvido, com um gosto de “poderia ter sido diferente”. O que impede do assunto ser retomado? Acho que seria uma boa. Não?

O discurso da herança

Outra fala que me chamou atenção na sessão foi a da vereadora Graziela Hoffmann, que comentou sobre as “heranças negativas” deixadas por governos anteriores.

Toda gestão nova tem esse discurso: “Ah, mas a culpa é do anterior, nós pegamos o orçamento deles, herdamos dívidas, herdamos problemas…” — e por aí vai. É um discurso que, de tão repetido, já virou trilha sonora da política. Isso não é uma crítica à Grazi, em específico, mas a velha política. Todos fazem isso, não é por mal.

Quando compramos um carro riscado a gente aponta o risco: “mas não fui eu que risquei. Foi o antigo dono”. Mas que vai ter que arrumar?

Curiosamente, ninguém fala das heranças positivas.

Quando o governo anterior deixa algo bom, um projeto encaminhado, um serviço funcionando, uma obra bem-feita — parece que cai num buraco negro. Ninguém lembra, ninguém agradece.

E eu nem tô defendendo ninguém aqui, nem o Constantino, nem o Cleo, nem o Vellinho, nem governo nenhum. Tô só observando o padrão.

Política

Falar em “herança” é sempre um jogo de conveniência. Quando o problema aparece, é culpa do anterior. Quando o mérito surge, é fruto do esforço próprio. É o famoso “o que é ruim veio de lá, o que é bom nasceu comigo”.

Mas a política precisa amadurecer esse discurso. Se um governo herda algo mal-feito, conserte. Se herda algo bom, aproveite. O contribuinte não quer saber de briga de bastidor, quer ver resultado. E, no fim, herança mesmo quem carrega é o povo, que paga a conta e escuta toda essa história.

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