Coluna publicada no dia 22/10.
Tem coisa que a gente até já sabe, mas quando ouve da boca de quem tá lá dentro, senta e pensa um pouco mais. Foi mais ou menos o que aconteceu depois da entrevista com o secretário de Saúde de Canela, Jean Spall. Muita gente acompanhou, mandou pergunta, participou, e o assunto que mais apareceu, disparado, foi a questão dos ginecologistas. Como é que faz pra conseguir consultar? Tem vaga? Tem médico? Tem fila? E por que é tudo tão difícil quando se fala em marcar uma simples consulta?
Jean acabou não tendo tempo de responder tudo na hora, e depois a gente voltou a falar sobre isso. E foi ali que a resposta dele chamou atenção, não por ser mirabolante, mas por ser pé no chão. Ele disse que Canela tava com um ginecologista a menos, e que isso deve se normalizar agora, porque uma nova profissional começou na semana passada. Parece pouco, mas pra uma cidade que vive no limite da estrutura, um médico a menos faz uma diferença que a gente sente lá na ponta, na comunidade, na mulher que tá tentando marcar o exame há três meses.
Mas o que ele falou depois foi o que mais me fez pensar. Disse que muitas mulheres procuram direto o ginecologista, mas poderiam primeiro passar pelo clínico geral ou pela enfermagem, que também têm preparo pra uma primeira avaliação. E aí, se for o caso, são encaminhadas pro especialista. O problema é que esse “fluxo” ideal esbarra num sistema que tá longe de ser ideal.
Falta Antiga
Canela não tem estrutura física nem pessoal suficiente pra atender toda a demanda sem agendamento. Não é falta de vontade, é falta de espaço e de gente mesmo. O secretário foi direto: “São anos de falta de novas unidades e contratação de pessoal. Isso não se resolve da noite pro dia”.
E é aí que a gente entra num ponto delicado, porque todo mundo quer resultado rápido — e com razão. Ninguém quer esperar meses pra ser atendido, ninguém aguenta ficar na fila, ninguém acha normal uma cidade que cresce tanto continuar com o mesmo número de postos de saúde de anos atrás. Mas, ao mesmo tempo, a estrutura da saúde de Canela parou no tempo.
A UBS mais nova, segundo o próprio Jean contou, é a Central. E ela nem é nova, só trocou de lugar uns 15 anos atrás. Isso significa que toda a rede é antiga. As paredes, os consultórios, os corredores estreitos, os banheiros improvisados — tudo é reflexo de um sistema que foi crescendo sem crescer de verdade.
A cidade multiplicou o número de habitantes, a demanda explodiu, e a estrutura ficou ali, engessada, esperando o futuro chegar. E o futuro chegou, mas sem espaço pra estacionar.
Realidade Dura
É fácil jogar pedra quando se fala de saúde. Todo mundo tem uma história pra contar, e quase sempre é de frustração. É o exame que demora, a consulta que não sai, o remédio que falta. Mas também é importante entender o contexto, e isso não é passar pano pra ninguém, é só ver o quadro completo.
Canela, assim como tantas cidades pequenas, carrega uma herança de gestões que priorizaram tudo, menos ampliar o atendimento básico. É o tipo de problema que se arrasta por anos, e quando finalmente alguém fala em resolver, descobre que precisa começar do zero.
Um posto novo leva tempo, dinheiro, projeto, licitação, equipe. E enquanto isso não vem, a população continua crescendo, os pedidos continuam entrando, e o sistema vai ficando cada vez mais sobrecarregado. A falta de estrutura não é só uma frase de efeito, é um diagnóstico.
Fluxo Trancado
O fluxo existe, mas não anda. Na teoria, a pessoa passa pela triagem, vai pro clínico, é encaminhada pro especialista. Só que na prática, o clínico tá com 20 pessoas esperando, o enfermeiro tá dobrando turno, e o ginecologista ainda nem conseguiu repor a agenda da colega que saiu.
Então o sistema que deveria fluir acaba travando. E o travamento gera fila, e a fila gera reclamação, e a reclamação pressiona quem tá na ponta. No fim, é uma corrente que vai se apertando até não sobrar ar pra ninguém respirar.
O curioso é que muita gente enxerga a saúde pública só como um balcão de consultas, quando na verdade é uma engrenagem enorme, onde cada profissional precisa do outro pra tudo funcionar. O problema é que quando uma peça emperra — seja a falta de um médico, seja um prédio velho — o resto sente o impacto.
Gente Cansada
O que também não dá pra ignorar é o fator humano. Tem servidor que trabalha com o dobro da carga, que segura o rojão porque gosta do que faz, mas que tá cansado. Tem enfermeiro que se desdobra, técnico que corre de um posto pra outro, médico que atende o que pode e ainda leva bronca.
A saúde pública não é feita só de estruturas e protocolos, é feita de gente. E gente precisa de condições. Quando o secretário fala que “não se resolve do dia pra noite”, ele tá dizendo que por trás de cada posto com infiltração tem alguém tentando tapar o buraco pra atender mais um paciente.
Essa compreensão não apaga o problema — mas ajuda a entender o tamanho do desafio. Canela precisa, sim, investir pesado em saúde, e isso inclui desde construir novas UBSs até valorizar o servidor que mantém o sistema de pé.
Tempo Necessário
É duro ouvir que “vai um tempo ainda”, mas é a verdade. A cidade não vai amanhecer com tudo resolvido, porque o que ficou parado por tantos anos não se destrava de um dia pro outro. Só que, ao mesmo tempo, não dá pra usar isso como desculpa pra não fazer nada.
Tem que andar, tem que planejar, tem que sair do discurso e começar a erguer parede, contratar profissional, abrir espaço. Não dá pra tratar saúde como favor. É direito, é urgência, é o básico do básico.
E o tempo, esse mesmo que parece sempre correr contra, pode ser um aliado se houver planejamento de verdade. Mas planejamento exige continuidade, não pode depender de quem tá no comando hoje ou amanhã. Dito tudo isso, acredito demais no governo atual para mudar esse panorama.
Estação Boa
E aí, enquanto a gente fala dessas coisas sérias, a cidade começa a entrar naquele clima bom de fim de ano. O Natal de Canela foi lançado, o Natal Luz em Gramado já começa a ganhar forma, e as ruas começam a encher de gente, de luz, de música. É a época em que até o vento parece mais leve.
Tem gente que reclama do trânsito, das filas, da correria. Eu, sinceramente, não. Acho que esse movimento todo é reflexo de algo muito bom. É sinal de que a nossa região é viva, atrai, encanta, respira alegria. Ver turista feliz é ver Canela e Gramado no seu melhor momento.
Enquanto as luzes se acendem, a gente lembra que a cidade é muito mais do que seus problemas. A saúde precisa melhorar? Precisa, e muito. Mas também é bom ver que, mesmo com os perrengues, há esperança pulsando nas esquinas, há vontade de fazer dar certo.












