GIAN WAGNER – [email protected]
GRAMADO – A comunidade gramadense se despediu no início desta semana de uma das pessoas mais importantes da história do município. O empresário e ex-político Horst Ernst Volk faleceu no início da manhã de segunda-feira (24), aos 86 anos, em decorrência de uma doença autoimune que baixou o número de plaquetas no sangue.
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Volk havia sido internado no Hospital Arcanjo São Miguel, em Gramado, na sexta-feira (21) e não resistiu, falecendo às 6h30 de segunda-feira no hospital. Ele deixa a esposa Rosa Helena Pereira Volk e quatro filhos: Ricardo, Paulo, Carlinhos e Fabinho. “São momentos muito difíceis. Consola a vida plena de amor que vivemos”, disse a viúva.
Volk nasceu em 6 de julho de 1933, em Campo Bom. Filho de calçadista, aos 15 anos mudou-se para Sapiranga para empreender no calçado com o pai e irmãos. Aos 18 anos, em 1952, mudou-se para Gramado para dar início à indústria de calçados Ortopé, primeiramente com o nome de E. Volk & Filhos. Horst Volk foi também vereador eleito em 1963, quando presidiu a Casa Legislativa, e reeleito no pleito seguinte. Foi prefeito (interventor federal) durante o Regime Militar, nomeado em 1969, após a cassação do prefeito, e ficou no cargo até 1973. Na década de 1980 foi deputado estadual pelo PDS e mais tarde diria que “se alguém quer ser um bom empresário, se quiser crescer como empresário, não deve ser político”, a uma entrevista cedida à Assembleia Legislativa. Volk também foi secretário Estadual de Turismo na mesma década.
Horst Volk foi um grande líder empresarial, com importantes cargos nacionais. Ele foi presidente da Abicalçados (Associação Brasileira da Indústria de Calçados) e da Associação Nacional de Técnicos em Calçados. Foi vice-presidente da AEB (Associação dos Exportadores Brasileiros). Volk chegou a presidir um encontro mundial da OIT (Organização Internacional do Trabalho), realizado em Genebra, na Suíça.
ORTOPÉ: 50 ANOS, MAIS DE 14 MIL FUNCIONÁRIOS E UM LEGADO
A Ortopé marcou a história de Gramado. Em uma de suas últimas entrevistas concedidas, em 19 de outubro de 2018, Volk conversou com Luana Wingert, formada em História pela Faccat, que então era universitária e estava elaborando um artigo para a faculdade. Luana, além da entrevista, tem um vínculo com a empresa pois seu avô, Werno Wingert (foto abaixo), foi um dos funcionários que migraram de Sapiranga para Gramado para ensinar o pessoal a fazer calçado. Werno foi responsável pelo setor de montagem. A entrevista realizada com Volk sobre a Ortopé foi cedida com exclusividade ao Jornal Integração, e, assim como o artigo produzido por Luana, pode ser acessado na íntegra através do site leiafacil.com.br.
Volk contou que a vinda da empresa, então com o nome de E. Volk & Filhos, para a serra “foi praticamente uma refundação de Gramado”, isso porque gerou, ao longo dos 50 anos de existência, mais de 14 mil empregos. A empresa chegou a se chamar Princesinha, em uma sociedade com a família Balzaretti, e posteriormente ganhou o nome de Ortopé, sempre focada em calçados infantis.
Horst também contou que a Ortopé impulsionou o surgimento de outras indústrias do ramo na cidade. A Ortopé foi ainda, durante um longo período, a empresa que mais contribuiu com o retorno de ICMS no município, mantendo uma média de 70%. Na entrevista Volk recorda que em determinado mês a empresa chegou ao ápice de 83% do ICMS arrecadado.
O empresário enfatizou ainda que a instalação da empresa foi fundamental para a criação de outras atividades. “No momento que a Ortopé começou a crescer foi se criando outra atividade também, os colonos vieram com os filhos pra cá, muitos vieram só os filhos, mas de qualquer maneira eles foram melhorando e já começaram a ter empregadas, tinham filhos pequenos, os dois trabalhavam na fábrica, precisavam de empregada, ou precisavam de jardineiro”, contou.
Com o passar dos anos a empresa começou a ter mais destaques, primeiro com a botinha ortopédica, que “possuía uma forma especial, com couros mais macios. Fizeram propaganda da botinha que funcionava diretamente para a educação do pé da criança, era um sapatinho preventivo, ele prevenia eventuais defeitos futuros no pé”, explicou Volk na entrevista.
Aconteceram ainda novas parcerias, inclusive com a alemã Elefanten Schue, o que auxiliou no desenvolvimento da empresa. A Ortopé também criou a famosa sandália anatômica e conquistou o Brasil com o jingle “Ortopé, Ortopé, tão bonitinho”, que chegou a ser confundido com o slogan da empresa. A Ortopé também convidava os clientes a conhecer Gramado através de convites enviados nas caixas de sapato com os dizeres “Visite Gramado: a mais bela cidade do Rio Grande do Sul”.
A Ortopé passou pelos anos de ouro da década de 1980 e em 1990, assim como toda produção calçadista, começou a perder força. Em 2007 a empresa decretou falência. Peritos da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) avaliaram a empresa em R$ 27,4 milhões, sendo que desses, R$ 21,68 milhões eram somente o valor de marca da Ortopé. No final daquele ano a Paquetá arrematou a marca por R$ 15 milhões, encerrando de vez a história da empresa em Gramado. “Tem muita gente que acha que foi a nossa família que faliu. Isso me aborrece um pouco. Nossa família vendeu a fábrica numa época difícil, e ainda vendemos bem ela”, contou Horst em entrevista. Ele explicou que a fábrica, após ser vendida, ainda atuou por cinco anos até decretar falência.
“Foi praticamente uma
refundação de Gramado”,
Horst Volk sobre
a instalação da Ortopé
na década de 50
UM POLÍTICO QUE NÃO QUERIA SER POLÍTICO
Volk não queria ser político. Em entrevista à Assembleia Legislativa publicada em dezembro de 2008, o ex-deputado contou como concorreu ao pleito municipal, sendo o terceiro mais votado, e ainda como se tornou prefeito sem ter concorrido. “A gente começa brincando de política, porque eu fui um empresário conhecido, tinha muitos empregados, até que as lideranças da cidade me convidaram para ser vereador. Eu nem de longe pensei um dia em entrar para a política, mas aí veio a pressão e, aquela velha história, é procurado quem a comunidade quer, quem a comunidade precisa e pode eleger. Com a cassação [do então prefeito em 1969], fui convidado a ser interventor federal. A gente fala ‘fui prefeito’, mas na verdade eu fui interventor federal. Eu não fui eleito prefeito, mas substituí por quase todo o tempo de mandato do prefeito que havia sido eleito e que havia sido cassado, pois ele ficou por apenas três meses no cargo e eu fiquei quase quatro anos na prefeitura”, disse em 2008.
“Aquela velha história,
é procurado quem
a comunidade quer”
UMA DAS “200 MELHORES CABEÇAS DO PAÍS”
Horst foi reconhecido pelo seu sucesso empreendedor e recebeu mais de 50 prêmios e troféus de reconhecimento. Entre eles, Mérito Industrial do Rio Grande do Sul (1988) e Empresário do Ano da Indústria de Calçados no Brasil (1991). Ele foi também membro do “Conselhão” do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que foi considerado por FHC como sendo um conselho ‘formado pelas melhores 200 cabeças do país’. A última homenagem recebida por Horst foi em 12 de dezembro do ano passado, quando ganhou uma das 65 comendas dadas pela Prefeitura pela passagem do 65º aniversário de Gramado.
CRIADOR DE FESTIVAIS
Além de divulgar Gramado nas caixinhas da Ortopé, Horst foi parceiro no quesito ‘manter o turista em Gramado’. Para isso, foi um dos criadores de três importantes eventos: o Festival de Cinema de Gramado, a Fearte (Feira Nacional do Artesanato) e o Festival Nacional de Publicidade. “Gramado precisava ter eventos o ano todo, para sempre ter visitantes aqui”, disse na entrevista de 2018.
Em 1988 Horst ajudou a ‘salvar’ o Festival de Cinema, pois o Cine Embaixador havia ficado pequeno para a dimensão que o evento tinha tomado. A atuação de Horst foi decisiva e ele foi nomeado presidente da comissão de reforma e ampliação do Palácio dos Festivais, sendo sua empresa uma das principais financiadoras da obra. Neste mesmo ano, a Câmara de Vereadores concedeu-lhe o título de Patrono do Festival de Cinema de Gramado. Na 40ª edição do evento, Volk foi homenageado durante o Festival. No dia de sua morte, a página oficial do FCG publicou “Nossa história começou contigo. Obrigada Horst Volk, criador do Festival de Cinema de Gramado”.
AMIGOS E LIDERANÇAS SE DESPEDEM DE VOLK
Muitos amigos e personalidades da política prestaram suas homenagens a Horst Volk. Luia Barbacovi, um grande amigo de Volk, esteve visitando-o no domingo (23) no HASM. “A vida de Horst Volk foi pautada por iniciativas que mudaram a vida de milhares de famílias em nossa região. Gerando emprego e renda para nossa gente,é um dos principais responsáveis pela transformação de Gramado neste potencial turístico que é hoje.Líder empresarial e com uma visão global, sem dúvidas foi e sempre será um cidadão diferenciado e com um legado inigualável”, disse o amigo.
A Câmara de Vereadores, que cedeu o espaço para o velório de Volk, em nota, disse que “sem dúvida ele foi um político exemplar, um cidadão honrado, um marido dedicado, um pai amoroso, um avô sem igual e um bisavô sensacional”. A prefeitura, também em nota, decretou luto oficial de três dias. “Deixou, também, sua marca como empresário à frente de Calçados Ortopé, tanto na geração de empregos como na divulgação da cidade e manutenção de seus eventos”, disse a nota. Nas redes sociais, o prefeito de Porto Alegre, Nelson Marchezan Jr., e os senadores Lasier Martins e Luis Carlos Heinze também lamentaram a morte do empresário.
ACESSE TAMBÉM:
Artigo sobre a Ortopé escrito por Luana Wingert: CLIQUE AQUI
Entrevista com Horst Volk gravada em 2018: CLIQUE AQUI