InícioGeralGramado e Canela“Foram quatro anos morrendo um pouquinho por dia”

“Foram quatro anos morrendo um pouquinho por dia”

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CANELA – Quase quatro anos após ter seu nome envolvido na chamada Operação Caritas, que investigou supostos crimes na Prefeitura de Canela, Luiz Cláudio da Silva, conhecido como Ratinho, ex-secretário de Obras do município, recebeu a notícia que aguardava desde 2021: a absolvição.

O ex-secretário concedeu entrevista a reportagem do Jornal Integração, na manhã desta quarta-feira (28). Para ele, decisão encerra um dos capítulos mais difíceis de sua trajetória pública e pessoal.

Ratinho foi preso em novembro de 2021 e, naquele momento, estaria sendo acusado de cinco crimes: desvio de materiais, fraude em licitações e contratos, formação de quadrilha, corrupção e concussão (rachadinhas).

O indiciamento, no entanto, veio apenas em maio de 2022, e se restringiu à suposta prática de concussão — popularmente conhecida como rachadinha. A decisão da Quarta Câmara Criminal do TJRS pela absolvição, na última sexta (23), foi devidamente acatada pelo Ministério Público, nesta semana, que reconheceu a inocência de Ratinho, deixando transitar em julgado a decisão absolutória.

A absolvição e o fim de um ciclo

Ao relembrar a notícia da absolvição, Ratinho descreveu o sentimento de encerramento após quase quatro anos de espera.

“Foi um alívio. Porque, como eu disse, faltam 10 dias para quatro anos e eu dizia: em cada dia, a gente morre um pouquinho. Todo mundo sofreu. Foi um baque muito grande, se abriu um abismo na minha vida que a gente não esperava, porque tudo aconteceu de repente.”

Ele recordou que as acusações iniciais não se sustentaram. “Eu fui acusado de cinco crimes, não sei de onde essas acusações, e depois o indiciamento veio de outra forma também. Eu não tinha nenhuma ligação com cobrança de partido ou cobrança de CC. Tanto é que eu pagava o partido.”

Ratinho contou que recebeu a notícia ao lado da família. “Meu advogado me ligou, e eu fiquei muito feliz. Me saiu uma tonelada das costas. Porque aquela situação que as pessoas dizem — quem não deve, não teme — não é verdade. Infelizmente, quem não deve é quem teme, porque passar por tudo que eu passei sem ter feito absolutamente nada… pra mim, isso não existe mais.”

Ele afirmou que o processo o fez perder a crença em algumas máximas populares. “Esse slogan não conta. Aquele de que todo mundo é inocente até que se prove o contrário… não é. Você tem que provar que é inocente, porque você já foi condenado. O fato aconteceu dia 8 de novembro; dia 9, eu já era corrupto, ladrão, milionário. Dono de algumas coisas que até hoje eu não encontrei.”

O peso da condenação pública

Durante a entrevista, Ratinho refletiu sobre o julgamento feito pela sociedade antes mesmo da Justiça.

“Na rua, os juízes te condenam. Muitos ali não sabiam nem quem eu era, mas foram pra rede social e me fizeram acusações infundadas”, disse. Para ele, as redes viraram “terra sem lei”. “Diz o que quer, fala o que quer, escreve o que quer, porque tem certeza que não vai dar nada. Mas, graças a Deus, algumas coisas estão mudando: pessoas estão sendo responsabilizadas pelo que dizem.”

O ex-secretário contou que algumas das mesmas pessoas que o criticaram voltaram atrás com o tempo. “Alguns até comentaram na minha publicação que sabiam que eu era inocente. É estranho como quatro anos muda. Quem me chamou de ladrão hoje diz que eu sou inocente. Mas enfim, passou.”

A fé e a luta interna

Ratinho afirma que a fé foi essencial para atravessar o período. “Eu sou um cara que acredita muito em Deus. Foi um dos pilares que me sustentou. Graças a Ele, não fiz bobagem, porque explicar pra ti mesmo o que tu está passando sem ter feito nada é o mais difícil.”

O ex-secretário relatou o impacto psicológico. “A tua cabeça é o teu pior inimigo. Algumas pessoas me procuraram e disseram: ‘estou contigo, sei quem tu és’. Mas outras pessoas pairou a dúvida. Porque a prisão é pesada. A prisão é o carimbo de que tu fizeste alguma coisa errada.”

O dia da prisão

Questionado sobre o momento em que foi preso, Ratinho relembrou.

“Eu não falo sobre esse assunto com quase ninguém, até porque tem um ditado que diz: se as pessoas não podem resolver o teu problema, talvez não precisem saber dele.”

Mesmo assim, ele descreveu aquele dia com detalhes:

“Eu me lembro de cada detalhe do acontecido. Brinquei com meus cachorros antes de sair pro trabalho, e aconteceu tudo quando eu estava saindo pra trabalhar. Eu não estava saindo pra roubar, nem pra fazer coisa errada. Eu estava saindo pro meu trabalho.”

A lembrança ainda o acompanha. “Hoje, cada vez que eu me abaixo pra brincar com meu cachorro, isso me vem na mente. Eu volto. Me retraiu. Infelizmente, eu mudei, porque o psicológico é atingido de uma forma que tu não tem como explicar.”

O impacto se estendeu à família. “Minha filha teve que fazer terapia. Meu filho conseguiu controlar um pouco as coisas. E a minha esposa sofreu, inclusive com o partido que eu trabalhei. Fez coisas pra ela que eu jamais imaginei.”

A lentidão da Justiça e as perdas

O ex-secretário criticou a demora do processo.

“A justiça é lenta quando é pra te absorver, porque se fosse pra me condenar, eu já teria sido há três anos. É muito difícil. A gente morre um pouquinho por dia.”

Ele também falou das consequências materiais e pessoais. “Perdi muita coisa. E não falo só de bem material. Perdi oportunidades na minha vida em virtude desse processo.”

O julgamento nas ruas

Ao comentar sobre o impacto social após o caso, Ratinho foi direto:

“Fiquei 30 dias sem ir ao mercado. Porque aquilo que eu te disse — ‘quem não deve não teme’ — é porque não é contigo. Quando é contigo, a situação é diferente. As pessoas te olham como se tu fosse ladrão, corrupto. Te julgam na rua, até hoje.”

Ele recordou que ganhou refúgio emocional onde não imaginava. “Eu tive um pessoal em Caxias que me abraçou. Fiquei na casa de uma parente da minha esposa. Me ampararam de uma forma que a gente jamais imaginou.”

Enquanto alguns o acolheram, outros se afastaram. “Os amigos ou quem dizia ser amigo se afastou. Tu vira um leproso, ninguém quer estar perto de ti.”

Ainda assim, lembra com gratidão de quem ficou. “Teve um senhor que foi na minha casa, ficou quatro horas conversando comigo. Disse: ‘o Luiz Cláudio que eu conheço não é isso que eu tô vendo’. Ele me deu um conforto que eu não tive de pessoas próximas.”

Separação entre o pessoal e o político

Com o tempo, o episódio também separou amizades e percepções. “Serviu pra mostrar quem era quem. Hoje, eu nunca fui um cara de ter rodas de amigos. Sempre fui mais reservado. Mas separou quem era quem em cada lugar.”

Sobre o reflexo político do caso, Ratinho reconheceu que sua imagem ficou marcada. “Meu nome foi jogado na lata do lixo. Todo o trabalho desenvolvido em quatro anos se desmoronou, porque a repercussão foi muito grande, nacional.”

Ele chegou a disputar as eleições de 2024, mas diz que talvez tenha sido cedo demais. “Eu devia ter repensado. Não devia ter concorrido em 2024. Porque eu sabia que o resultado era difícil. Enquanto eu não tinha absolvição, sempre pairava a dúvida.”

A carreira pública e o trabalho na Secretaria de Obras

Antes da operação, Ratinho acumulava cargos públicos desde 2009 e era reconhecido por uma atuação de campo.

“Quando tu assumes um cargo público, tem que fazer o teu melhor. Eu era secretário de uma das pastas mais importantes, e sempre trabalhei pra melhorar a cidade que eu moro.”

Ele relembrou o início da gestão. “Pegamos uma cidade abandonada, suja. Trabalhamos muito, com apoio da comunidade. Fazíamos mutirões nos sábados. Pessoas iam roçar com as próprias máquinas e gasolina, porque viam que o trabalho era sério.”

Entre os projetos marcantes, destacou a intervenção no Hospital de Canela. “Eu consegui dar andamento numa obra que estava parada há mais de 10 anos. E não fui sozinho. Muitos empresários me ajudaram. E empresário nenhum ajuda quem está fazendo coisa errada.”

Outra lembrança especial é a Casa Vitória, construída em 2021. “Foi um dos trabalhos que eu tenho muito orgulho. Particularmente, pra mim, foi um marco. Politicamente, não foi muito bom, mas foi um trabalho que me deixa feliz.”

Valores e criação

Durante a conversa, Ratinho também refletiu sobre a educação que recebeu.

“Meu pai dizia: se tu tiver um real que é teu, briga até o fim. Mas se tu tiver um centavo que não é teu, não é teu. Nos ensinou da maneira dele, rude, mas certa.”

Ele acrescentou: “A gente começou a trabalhar muito cedo. Nunca tivemos tempo pra pensar em fazer coisa errada. Quem trabalha não tem tempo pra pensar em roubar dinheiro.”

Para o ex-secretário, esses ensinamentos tornam o processo ainda mais difícil de entender. “Tu tentar explicar pra tua cabeça o porquê de tudo isso é o pior. Às vezes tu não tem só que ser honesto, tu tem que mostrar que é honesto. Hoje parece que o normal é ser desonesto.”

Questionado se acredita que houve motivação política nas denúncias, ele ponderou:

“É difícil falar isso, mas algumas matérias surgiram na internet meses antes. Um troço que era sigiloso já tinha gente levantando suposições. Eu tenho quase certeza que isso teve um pouco de fim político, mas não dá pra ter certeza total.”

Ele completou: “Eu acredito na justiça de Deus. Essa não falha. Ninguém sai dessa vida sem pagar.”

A vida após a operação

Hoje, Ratinho trabalha na iniciativa privada. “Fiquei alguns meses sem salário, sem renda. Do nada, abre um precipício e tu cai pra dentro. Ainda tem que contratar advogado, e advogado de repercussão nacional não é barato.”

Mesmo assim, conseguiu recomeçar. “Graças a Deus, consegui uma pessoa que me abriu as portas da empresa dele. Hoje eu correspondo, trabalho bastante. Não tem serviço que eu não faça.”

Reflexão

Ele encerrou com uma reflexão:

“As pessoas devem repensar antes de julgar alguém. A moeda tem dois lados. Antes de julgar, pense que poderia ser qualquer pessoa. Ninguém está livre de sofrer uma situação dessa.”

E completou:

“Não é só ser inocente, tu tem que provar que tu é inocente, e não é fácil. Trabalhei muito por uma sociedade que eu amo. Nunca gostei de aparecer; sempre priorizei a equipe. O secretário é só um instrumento. Cabe a ele fazer ou não funcionar.”

A defesa de Ratinho também redigiu uma nota a imprensa para falar sobre o caso.

Confira na íntegra:

“OPERAÇÃO CÁRITAS – E A MONTANHA PARIU UM RATO”

“A Defesa Técnica de Luiz Claudio da Silva, conhecido popularmente pela comunidade canelense como “Ratinho”, vem publicamente informar que, após longos quatro anos de tramitação foi mantida sua absolvição pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, a qual havia sido reconhecida em primeiro grau.

A decisão da Quarta Câmara Criminal do TJRS foi devidamente acatada pelo Ministério Público, o qual reconheceu a inocência de Ratinho, deixando transitar em julgado a decisão absolutória.

O fim do processo criminal traz a lume a poesia do romano Horácio que faz alusão a frase “e a montanha pariu um rato”, isso porque quando da deflagração da Operação Caritas, ocorrida no mês de novembro de 2021, o delegado de polícia civil desenhou Luiz Cláudio como uma das lideranças da organização criminosa, envolvido diretamente em fraudes no hospital e na secretaria de obras do município, induzindo o judiciário a decretar a prisão preventiva de Ratinho, mesmo com parecer contrário do Ministério Público; encerradas as investigações surgiu apenas uma acusação contra Ratinho pelo ilícito de concussão (artigo 316, caput, do Código Penal), sob o argumento de que Luiz participava do recolhimento, mediante coação, de parte dos salários dos funcionários CCs em prol do partido político; passados esse longos quatro anos não houve uma única prova da participação de Ratinho no ilícito, o que originou sua absolvição, nas duas instâncias judiciais.

Esta Defesa estuda, atualmente, ações de responsabilizações administrativas, civis e criminais aos envolvidos, principalmente, nas investigações, uma vez que o cliente teve sua vida pública de longos anos atuando em prol da comunidade canelense totalmente destruída, tudo em detrimento de uma investigação equivocada e de falácias criadas com o único objetivo de prejudicar Luiz.

Agradecemos ao Sr. Luiz Cláudio pela confiança depositada em nosso trabalho e enaltecemos a concretização da mais pura e cristalina Justiça!”

FERNANDO ALVES – ADVOCACIA – OAB/RS 46053

A entrevista completa pode ser assistida por meio da página do Jornal Integração no Facebook.

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