Leonardo Santos
GRAMADO – A chama crioula já arde no CTG Manotaço desde o dia 6 de setembro, quando o patrão Fernando Gusen e o prefeito de Gramado, Nestor Tissot, retiraram uma centelha do Fogo da Pátria. O fogo simbólico permanecerá aceso até o dia 20, marcando as celebrações da Semana Farroupilha no município. No galpão do Manotaço, no Mato Queimado, os ensaios, a correria nos bastidores e a expectativa da comunidade formam o cenário de mais uma edição do evento. Em 2025, a festa ganha ainda mais significado: o CTG completa 70 anos de história.
Em entrevista exclusiva hoje, quinta-feira (11), ao Jornal Integração, o patrão Fernando Gusen abriu as porteiras do galpão e do coração para falar sobre a programação, as responsabilidades que envolvem conduzir uma entidade tradicionalista, os desafios econômicos, a força da juventude, o protagonismo feminino e os sonhos de expansão. Mais do que listar atividades, ele mostrou o quanto o Manotaço é um espaço de convivência, acolhimento e renovação da tradição gaúcha.
Preparativos que começam meses antes
A Semana Farroupilha é comemorada em setembro, mas, como lembrou o patrão, a organização começa muito antes. A cada ano, é preciso planejar a logística de cada atração, articular com parceiros, cuidar da infraestrutura e, principalmente, envolver a comunidade.
“Chamamos a patronagem, dividimos responsabilidades, definimos quem vai liderar cada frente. Isso é importante para que tudo funcione e para que a gente possa inovar sem perder a essência”, explicou.
Esse planejamento inclui até mesmo a preocupação com o calendário de eventos da cidade. Como Gramado recebe, em paralelo, atividades culturais na Rua Coberta e oficinas escolares, o CTG busca alinhar horários e programações para que uma atração não concorra com a outra. “A gente precisa ter sintonia com a Secretaria de Cultura e com outras entidades. Não faz sentido marcar um show aqui no mesmo horário em que tem um espetáculo na Rua Coberta, por exemplo”, reforçou.
Programação da Semana Farroupilha
A agenda deste ano começou oficialmente no dia 6 de setembro, com o acendimento da chama crioula, que seguirá até a noite do dia 20, quando será extinta em ato solene.
Até lá, a programação será intensa. Entre os destaques, está o concurso de declamação “Gramado em Versos”, já consolidado no calendário cultural, que chega à terceira edição com inscrições de participantes de diversas cidades.
No fim de semana, as invernadas artísticas participam do Dança Rio Grande, na Rua Coberta, levando a cultura do CTG para o coração turístico da cidade. Também haverá a sessão descentralizada da Câmara de Vereadores, realizada no galpão, com homenagens a figuras ligadas à tradição.
Outro momento especial será na próxima terça-feira (16), quando os peões assumem a cozinha, enquanto as prendas são as convidadas de honra, servidas em um jantar que valoriza a convivência. “É uma brincadeira que já virou tradição: a peonada coloca o avental e vai para o fogão, enquanto as prendas aproveitam a noite. É simbólico, mostra que a tradição também pode se reinventar em pequenos gestos”, disse o patrão.
No dia 20, data máxima da celebração, a programação inclui missa crioula pela manhã, desfile de cavalarianos à tarde e um grande baile de confraternização à noite, seguido da extinção da chama crioula à meia-noite. “Esse é o momento mais simbólico. A chama representa a continuidade. É quando a gente encerra um ciclo e já se prepara para o próximo”, afirmou Fernando.

CTG como espaço de acolhimento
Seja em eventos grandiosos ou no cotidiano, Fernando destaca que o maior valor do CTG está no acolhimento. Para ele, o Manotaço não é apenas um espaço físico, mas um ponto de encontro onde qualquer pessoa pode se sentir parte da família tradicionalista.
“O CTG precisa acolher. Esse acolhimento tem um papel humano. Foi aqui que fiz meus melhores amigos, e é isso que me motiva a seguir. Quando tu chega cansado de um dia difícil e uma criança corre para te abraçar, tudo vale a pena”, relatou.
Exemplos não faltam: desde o gesto simples de uma prenda que lhe entregou o primeiro pedaço de bolo no aniversário de 10 anos até a poesia escrita por uma mãe em sua homenagem. “Esses momentos não têm preço. São a recompensa de todo o esforço voluntário que a gente coloca aqui dentro”, completou.
Juventude como herdeira da tradição
Um dos maiores orgulhos do CTG Manotaço é o número de jovens envolvidos. Atualmente, mais de 100 crianças e adolescentes participam das invernadas artísticas e campeiras.
As atividades vão muito além da dança. No laço, nas brincadeiras de vaca parada, nas oficinas de indumentária e nas lendas contadas nas escolas, a juventude encontra lições de vida. “Aqui, a criança aprende disciplina, respeito, convivência. Aprende a esperar sua vez, a incentivar o colega, a lidar com a frustração. Isso é tão importante quanto aprender a dançar ou laçar”, destacou Fernando.
Um exemplo citado foi a equipe de crianças que participou do Campeonato Municipal de Laço, enfrentando adultos com entusiasmo e união. “Eles não tinham a rivalidade dos adultos. Um torcia pelo outro, vibravam juntos. Isso emociona a gente”, recordou.
O protagonismo feminino
Outro ponto de destaque é o papel das mulheres dentro do Manotaço. Se no início do tradicionalismo a figura masculina predominava, hoje o cenário é outro.
O CTG orgulha-se de ter a primeira prenda juvenil do Rio Grande do Sul, além de prendas regionais. Nas invernadas, elas são maioria, e na parte administrativa a liderança feminina é igualmente decisiva.
Na cozinha, por exemplo, a vice-patroa comanda as equipes com dedicação. “Ela faz questão de que tudo saia perfeito, de que a comida seja elogiada, e se entrega de corpo e alma para isso. Essa liderança é fundamental”, disse Fernando.
O desafio da economia
Apesar da paixão envolvida, o CTG precisa ser administrado como uma instituição séria, com compromissos financeiros e burocráticos.
Em 2025, o Manotaço recebeu uma emenda impositiva de R$ 40 mil, valor que exige uma prestação de contas rigorosa, com apresentação de até 21 documentos. “Cada centavo precisa ser justificado. Não importa se é 10 mil ou 40 mil. A transparência é obrigação”, ressaltou o patrão.
Além disso, o CTG tem a vantagem de possuir imóveis próprios, como o terreno no centro de Gramado, alugado para um restaurante, que garante renda fixa. Isso permite que o Manotaço não cobre mensalidade de seus associados, mas não elimina a necessidade de planejamento cuidadoso.
“Cada evento é pensado como uma empresa. O ideal é empatar. Do empate para cima é lucro. Já tivemos prejuízos, mas aí a gente negocia, parcela, se reinventa. Não dá para dar um passo maior que a perna”, afirmou.
Sonho de expansão
A sede atual, no Mato Queimado, possui três hectares. Mas os eventos do CTG já extrapolaram esse espaço. O rodeio de fevereiro, por exemplo, só foi possível graças a uma parceria com proprietários do terreno vizinho, ocupando seis hectares.
Diante desse crescimento, a patronagem avalia a mudança para uma área maior, em modelo de permuta. Áreas de 12, 14 e até 30 hectares já foram visitadas. “O crescimento de Gramado é inevitável, e nossos eventos também crescem. Precisamos de um espaço maior para continuar avançando. Esse é um sonho coletivo, que precisa ser decidido em assembleia pelos sócios”, explicou Fernando.
Histórias que emocionam
A entrevista também foi marcada por lembranças pessoais. Fernando contou sobre o período em que atuou como diretor artístico antes de se tornar patrão, relembrou homenagens inesperadas e destacou a convivência que se transforma em amizade.
“Esses gestos simples — um abraço, uma poesia, uma criança que divide o bolo — são a prova de que o CTG é mais que tradição. É convivência, é família, é humanidade”, resumiu.
Convite à comunidade
No encerramento, Fernando deixou dois convites. O primeiro é para que todos participem da programação da Semana Farroupilha, aberta ao público e repleta de atrações culturais e campeiras.
O segundo é permanente: “A porteira do CTG está sempre aberta. Não tem tramela. Quem quiser conhecer a tradição, seja daqui ou de fora, vai ser acolhido. Temos exemplos de gente que veio de outros estados, fez curso de dança e se apaixonou pela cultura gaúcha. É só vir. O CTG é de todos”, destacou.
Programação:
Hoje, quinta-feira (11), às 19h30: 3º Gramado em Versos (Concurso Declamação) no CTG.
Amanhã, sexta-feira (12), às 20h: Concurso de Dança de Salão no CTG.
Sábado (13), 9h: Concurso Dança Rio Grande na Rua Coberta.
20h30: Jantar.
22h: Apresentação das invernadas pré-mirim e mirim e Baile com Tiago Wagner.
Domingo (14), às 9h: Concurso Dança Rio Grande na Rua Coberta.
Segunda-feira (15), às 18h: Sessão descentralizada da Câmara de Vereadores no CTG.
20h: Apresentação da invernada mirim.
20h30: Jantar de Integração no CTG.
Terça-feira (16), 20h30: Jantar Peões na Cozinha do CTG (A peonada assume a cozinha para servir as prendas. O cardápio é sempre uma surpresa. Necessário fazer reserva na copa do CTG).
Quinta-feira (18), às 20h: Torneio de Bocha nas canchas do EC Gaúcho.
Sexta-feira (19), às 20h: Torneio de Bocha nas canchas do EC Gaúcho.
Sábado (20), às 11h: Missa Crioula.
14h: Desfile Farroupilha.
20h30: Jantar baile de integração com as invernadas.
Meia-noite: Extinção da Chama Crioula.
A cultura Gaúcha também é celebrada no município por meio do Festival Gaúchos, que é apresentado pelo Governo do Estado do Rio Grande do Sul, realizado pela Instituto RSNASCE e tem apoio da Secretaria da Cultura. A programação vai até o dia 28 de setembro e pode ser conferida no Instagram @festivalgauchos.