Coluna publicada no dia 24/10.
Guilherme Dettmer Drago. Sócio de Reimann & Drago Advogados. Professor Universitário.
A cada década, ou melhor, a cada giro mais ruidoso do ponteiro histórico, o ser humano resolve lembrar ao cosmos que é, antes de tudo, um animal.
Mas não um simples animal! Mas sim um que construiu catedrais e bombas atômicas, que inventou a penicilina e os campos de extermínio, que escreve versos sublimes e, na mesma pena, redige tratados para justificar guerras.
Nesta semana, na longínqua China, os tambores rufaram em homenagem aos 80 anos do término da Segunda Guerra.
Um cortejo militar — pomposo, colorido e impregnado de pólvora — reuniu autocratas, ditadores e aspirantes a Césares. Lá estavam mísseis que prometem beijar qualquer canto do globo, como se o planeta fosse um alvo pregado num campo de tiro.
O recado é claro: a capacidade de destruir continua sendo a mais invejada das virtudes humanas.
A OTAN, claro, não deixou barato: possui arsenais capazes de multiplicar o Apocalipse em dúzias, com direito a efeitos especiais. É um concurso de músculos! Uma olimpíada da ruína!
Ironia fina: nunca houve tanta tecnologia para preservar a vida, e nunca estivemos tão bem-preparados para extingui-la em minutos. É como se a civilização fosse uma criança brilhante, mas perversa, que constrói um castelo de areia apenas para sentir o prazer de chutá-lo logo depois.
No fundo, o instinto permanece: o bicho-homem não aceita a paz senão como um intervalo entre duas guerras. A sanha de autodestruição é o que pulsa em suas veias, um sangue que pede trincheiras e desfiles, sempre embalado pela retórica de soberania, honra ou destino histórico.
E nós, simples mortais, espectadores sem voz nesse teatro bélico, somos os que pagam o pato.
Pagamos com impostos, com medo, com carne e ossos. Enquanto eles desfilam foguetes sob aplausos coreografados, a conta chega à mesa do cidadão comum — aquele que só queria pão fresco de manhã e um pouco de sossego à noite.
No fim, talvez seja mesmo isso: o ser humano não é senão um animal.
A diferença é que nenhum outro bicho tem tanta pressa em cavar a própria cova.












