Coluna Publicada no dia 30/04.
A audiência pública que rolou ontem em Canela foi praticamente um grande desabafo coletivo — e não dá pra culpar ninguém por isso. O tema? A mudança na Lei de Publicidade, para coibir abordagens insistentes no Centro e panfletagem sem freio. O assunto veio à tona por conta da proposta de alteração na lei de publicidade do município, mas o que se viu ali foi muito mais do que discussão sobre panfleto e norma legal. Foi um retrato escancarado de uma bomba-relógio que está estourando nas mãos da cidade.
Reclame Aqui
O secretário de Fiscalização, Adriel Buss, foi direto: nos últimos 90 dias, o Reclame Aqui de Canela recebeu 1.200 denúncias, metade delas feitas por turistas. E, pasmem, 500 dessas 600 citavam justamente as abordagens invasivas. Ou seja: os visitantes tiraram um tempo pra reclamar dado o tamanho do problema que é andar pelas ruas.
Buss foi além: mostrou um vídeo que ele mesmo gravou, flagrando um vendedor de cotas de fracionado quase grudado em um casal. Tipo sombra. O casal anda, ele anda. O casal para, ele puxa papo. O casal tenta fugir, ele muda de calçada. Isso não é venda, é perseguição.
Sem aniquilar
Claro que o outro lado também se manifestou. Gente que trabalha com fracionados, fotógrafos, comerciantes. Muita gente falando, pouca gente se ouvindo. O discurso é basicamente o mesmo: “Queremos regularização, não extermínio.”
Márcio da Costa, por exemplo, disse que a proposta da lei pode aniquilar o setor de vendas fracionadas e afetar diretamente empresas como a dele, que alegam ter mais de 7 mil clientes em Canela. Ele até reconhece que precisa de regras, mas que do jeito que está sendo proposto, é faca no peito.
Vicenzo Belk, também do ramo, alegou que emprega mais de 100 pessoas e que a proposta do jeito que está “inutiliza” a categoria. A palavra é forte, mas dá a medida do desespero.
“Os bons pagam pelos maus”
A fala mais lúcida — e talvez mais triste — veio do fotógrafo Felipe Matos. Ele explicou que muitas famílias vivem disso e que os bons profissionais estão pagando pelos maus. Disse que nunca forçou uma venda, que espera os turistas chamarem ou aborda com educação. Mas que o estrago já está feito. E quando o estrago é coletivo, o prejuízo chega até em quem faz certo.
Conversa teve. Autuação também
Os vendedores de fracionados cobraram diálogo da Prefeitura. Buss não ficou quieto. Disse que sim, houve diálogo. Que os trabalhadores foram conscientizados. Que teve conversa, orientação, sinal de alerta. Mas que não adiantou. Resultado? Quarenta autuações. Um número que, convenhamos, ainda parece pequeno perto das 1.200 reclamações.
Apresentou ainda um áudio do presidente da Câmara, vereador Felipe Caputo, dizendo que foi zombado por um vendedor durante a Paradinha de Páscoa. O vereador questionou o sujeito por estar fazendo abordagens incomodas aos que assistiam o espetáculo. O cara riu, mandou chamar a fiscalização e ainda teria histórico de reincidência.
Vendedor na calçada, no restaurante e (quase) no prato
Entre os absurdos citados, talvez o mais grave: turista sendo abordado dentro de restaurante. Sim, enquanto almoça com a família. Não dá mais pra fingir que isso é “erro pontual”. É abuso generalizado.
Claro, há clientes que compram, que gostam, que voltam. Mas isso não justifica a falta de critério. Vender cota, foto, passeio ou doce de leite não pode ser sinônimo de incomodar, invadir ou saturar.
Gramado também no fervo
E se Canela tá pegando fogo, Gramado já começou a esfregar os fósforos. Presenciei com estes olhos um pai de família praticamente suplicando para não ser abordado na Borges de Medeiros. A abordagem foi educada, mas ele estava exausto. Exausto de ter que recusar, fugir, desviar. Disse, com todas as letras, que sua experiência em Gramado estava sendo “uma merda” por causa disso.
Não adianta maquiar. Quando o turista fala que não quer, é não. Não adianta insistir, empurrar panfleto, prometer cortesia. Quando a cidade vira território de caça, o visitante vira presa — e a hospitalidade vira história mal contada.
O que falta?
É simples: a cidade precisa decidir o que quer ser. Um polo turístico de excelência ou um camelódromo a céu aberto com vendedores em modo turbo?
Não dá mais pra fingir que isso é só “diferença de ponto de vista”. Tem gente sendo constrangida. A cidade perdendo reputação. Tem trabalhador honesto sendo jogado no mesmo saco que o oportunista.
Querem continuar vendendo? Beleza. Regulariza. Cria regras. Dá espaço, mas exige postura. Quem não se adequar, tá fora. Turismo é experiência, não sequestro da paz. E quem não entende isso, vai continuar empurrando cota pra turista que só queria um chocolate quente em paz.
Por fim…
Vamos ver quais serão os próximos passos. Porque do jeito que tá, tá difícil até sair de casa com a certeza de que vai voltar sem um panfleto enfiado no bolso e uma promessa de cortesia no ouvido. Canela e Gramado precisam de ordem.