Coluna publicada no dia 13/11.
Por Phillip Handow Krauspenhar, advogado tributarista e sócio de HD advogados.
Uma recente decisão do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) mais pareceu o final de uma série de grande audiência para o mundo contábil e empresarial. Uma autuação gigantesca, de R$ 37,6 milhões, foi cancelada integralmente. Este não foi um julgamento qualquer, pois tocou no coração de como as empresas brasileiras se organizam para serem eficientes.
O que deveria ser uma análise rotineira da gestão de um grupo econômico, acabou virando uma disputa pública no tribunal administrativo. A Receita Federal acusava o contribuinte de simulação, enquanto a empresa defendia seu direito de se estruturar da forma que julgava mais lucrativa e eficiente. O futuro da operação do grupo estava em jogo.
Durante o julgamento do processo, a postura da Fazenda Nacional foi agressiva. Ela acusou uma holding de saneamento de ter criado uma estrutura que, na visão do fiscal, era abusiva. A alegação era que o grupo criou novas empresas, sendo uma para manutenção de redes, outra para o “back office” (RH, contábil, TI) e outras para gestão, com um único objetivo: inflar despesas e reduzir impostos.
Para a fiscalização, estas empresas eram apenas uma fachada. O relatório apontou o uso de e-mails institucionais parecidos e o compartilhamento de alguns endereços como provas de que tudo era um arranjo para pagar menos IRPJ, CSLL, PIS e COFINS. O Fisco basicamente acusou o contribuinte de criar despesas “de mentira” dentro do próprio grupo.
A lógica da acusação era de que a concessionária principal, tributada pelo Lucro Real, pagava valores altos por esses serviços internos. Com isso, ela deduzia 100% dessa despesa, diminuindo sua base de cálculo de IRPJ e CSLL. Além disso, ela aproveitava créditos de PIS e COFINS sobre esses pagamentos.
Enquanto isso, as empresas prestadoras de serviço, que eram do mesmo grupo, recebiam o dinheiro e pagavam impostos pelo Lucro Presumido. Nesse regime, a tributação era muito menor. Segundo os cálculos da Receita, essa organização gerava uma economia fiscal de quase 28%.
Este cenário levanta uma questão crucial para qualquer empresário: até que ponto organizar a própria casa é um direito de gestão? A legislação brasileira, embora complexa, garante a liberdade econômica. Empresas menores e mais especializadas são, muitas vezes, mais eficientes do que um único “gigante” inchado.
O contribuinte, dependente de provar sua boa-fé, viu-se numa encruzilhada. Ou aceitava a pecha de simulador, ou lutava para provar que sua estrutura de gestão era real e tinha propósitos econômicos claros, indo além da simples economia de impostos.
A atitude da empresa ao levar a discussão até a última instância pode ser vista como uma tentativa de afirmar sua autonomia de gestão. Ela apresentou documentos que provavam a realidade das operações, como folhas de pagamentos separadas, balanços auditados por empresas diferentes, alvarás, contratos de insumos e relatórios de medição dos serviços.
O CARF, por unanimidade, aceitou os argumentos. A decisão reforçou que a existência de sócios em comum ou de empresas do mesmo grupo não é, por si só, um crime ou uma simulação. O que importa é a substância. Os serviços foram efetivamente prestados? As empresas tinham funcionários próprios? Havia contabilidade segregada? A resposta para tudo isso foi “sim”.
A prova de que a estrutura era apenas uma “casca” para economizar impostos cabia ao Fisco, e ele não conseguiu provar. O tribunal entendeu que a decisão de terceirizar ou centralizar serviços como manutenção ou contabilidade em outra empresa do grupo é uma escolha de gestão legítima.
Há uma frase comum no direito que diz: “O que a lei não proíbe, está permitido.” Embora pareça simples, essa ideia ressalta a importância da liberdade de se organizar. A decisão do CARF não inventou nada novo, mas reforçou o óbvio: eficiência administrativa não é sinônimo de sonegação.
O futuro das operações entre empresas do mesmo grupo fica mais seguro após essa decisão. Para empresários e contadores, o recado é claro: estruturas que usam empresas coligadas podem ser legítimas, mesmo que resultem em economia de impostos.
A condição para isso, no entanto, é clara. O planejamento não pode ser apenas um conjunto de papéis e notas fiscais. Ele precisa de substância econômica. É preciso provar que as empresas existem de fato, prestam serviços reais e têm um propósito de negócio que vai além de simplesmente fugir do Leão.
Em suma, o episódio serve como um lembrete. Na arena dos negócios, a substância é tão crucial quanto a forma. A ausência de um propósito econômico real compromete qualquer planejamento. Mas uma organização baseada na eficiência, na especialização e em operações comprovadas, merece ser respeitada.













