Coluna publicada no dia 31/10.
Por Phillip Handow Krauspenhar, Advogado Tributarista e Sócio de HD Advogados
Uma recente decisão do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) acendeu um alerta máximo para empresários e contadores em todo o país. O caso, julgado no processo 11080.722896/2019-73, envolveu uma dívida de quase R$ 1 milhão em IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados). O que deveria ser uma análise técnica transformou-se em um verdadeiro guia de como o Fisco sucessão tributária e grupo econômico.
O conselho confirmou a responsabilidade de uma nova empresa por débitos de uma antiga, que havia sido formalmente extinta. O Fisco argumentou que houve uma sucessão empresarial “de fato”, mesmo sem um contrato formal de compra e venda. Além disso, reconheceu a existência de um grupo econômico informal, justificando a cobrança milionária.
A fiscalização baseou sua autuação em uma série de evidências que, segundo ela, demonstravam a confusão patrimonial e a continuidade da operação. A empresa devedora original foi extinta, mas seus ativos e funcionários teriam sido repassados para a nova companhia, que continuou explorando a mesma atividade.
Aqui é onde a situação se complica para o empresário. O CARF considerou elementos como a transferência de funcionários sem rescisão, o compartilhamento de endereço, contadores e equipamentos, e até a continuidade de clientes e fornecedores. O Fisco entendeu que a nova empresa foi criada em nome de “laranjas” (interpostas pessoas) e que os gestores eram os mesmos, atuando por procurações.
Essa linha de atuação da Receita Federal coloca o empreendedor em uma encruzilhada. Muitas dessas práticas são, na verdade, comuns no mundo dos negócios, especialmente em reestruturação ou entre empresas parceiras. Compartilhar um contador ou uma estrutura física pode ser uma decisão de redução de custos, e não necessariamente uma tentativa de fraude.
O problema é que a fiscalização tem usado a teoria da “essência sobre a forma” de maneira muito ampla. Ela desconsidera a documentação formal para buscar o que entende ser a “realidade” da operação. Essa decisão de R$ 996 mil é um recado claro de que o Fisco está disposto a olhar para além dos contratos, muitas vezes confundindo gestão de crise com má-fé deliberada.
Há um velho ditado no direito que diz que “o que não está nos autos, não está no mundo”. No entanto, no direito tributário atual, parece que o que vale é a narrativa da fiscalização. Se a operação parece uma sucessão, ela é tratada como tal. A complexidade de uma negociação empresarial é muitas vezes ignorada em favor de uma visão simplista que visa apenas a arrecadação.
O futuro do planejamento tributário no Brasil fica mais incerto. Sob a ótica de decisões como esta, a segurança jurídica do empresário é fragilizada. A criação de estruturas para proteger o patrimônio, algo legítimo, passa a ser vista com desconfiança, podendo levar a um desincentivo ao empreendedorismo.
No final das contas, este caso serve como um lembrete amargo. Na arena empresarial, a forma como uma empresa se reestrutura é tão crucial quanto sua operação diária. A ausência de uma documentação robusta que separe claramente as operações pode comprometer todo um planejamento. Afinal, o que foi presumido pelo Fisco custou, neste caso, quase R$ 1 milhão.













