Coluna publicada no dia 31/10.
Guilherme Dettmer Drago. Advogado. Sócio de Reimann & Drago Advogados Associados
A “Operação Contenção”, realizada nessa semana nos complexos do Alemão e da Penha, no Rio de Janeiro, escancarou — mais uma vez — a trágica realidade nacional: onde o Estado não chega, o crime se instala, governa e dita as regras.
Não há caminho alternativo para enfrentar esse estado de coisas. A ingenuidade dos que pregam a convivência pacífica com facções armadas beira a insanidade. Não se entra em território dominado pelo tráfico lançando pétalas de rosas sobre homens de fuzil. A guerra é desigual, mas não é opcional. A ausência do Estado — histórica, conivente e seletiva — criou monstros que hoje o desafiam de igual para igual.
A operação foi fruto de um ano de investigação e mirou diretamente a expansão territorial do Comando Vermelho. Cumpriram-se mandados, prenderam-se chefes e apreenderam-se armas. Ainda assim, o rastro de sangue deixado nas vielas denuncia que a solução não virá apenas pela ponta do fuzil. O que se combate hoje é o sintoma de uma doença antiga, alimentada por décadas de abandono social e institucional. A favela, por sua vez, paga o preço mais alto: o da impotência.
Ironia das ironias: em meio a tudo isso, o próprio Presidente da República afirmou que os traficantes são “vítimas”. Talvez o sejam — mas vítimas de um Estado que os negligenciou, de um sistema que lhes negou escola, dignidade e oportunidades. Mas vítimas também fazem vítimas, e o país não pode se permitir o luxo de romantizar o algoz. Seria o mesmo que aplaudir o incêndio em nome da chama.
É necessário lembrar que a maioria das pessoas que vivem nas comunidades é gente de bem. Trabalhadores que acordam cedo, pegam ônibus lotado e voltam tarde, sob o olhar de criminosos armados que se autoproclamam “autoridades locais”. São reféns de um cenário caótico, em que o Estado só aparece em blitzes ou enterros. A omissão estatal deixou de ser erro: tornou-se cúmplice.
Enquanto o poder público hesita, o poder paralelo cresce, se estrutura e se legitima. Nasce um “Estado dentro do Estado”, com suas próprias leis, sua própria economia e sua própria justiça. E, nesse tabuleiro, quem paga com a vida é sempre o mesmo lado: o do pobre, o do policial e o do inocente.
A Operação Contenção é um retrato cru de uma nação em que a violência se tornou rotina e o crime, governo. O que se viu lá não foi uma batalha isolada — foi o reflexo de um país que perdeu o controle de parte de seu território.
Onde o Estado não entra, o Estado paralelo reina.
E, neste reino de sombras, não há espaço para flores, apenas para o inevitável confronto entre a lei e o caos.












