SÃO FRANCISCO DE PAULA – É difícil acreditar que uma população que vive rodeada por água em abundância não tenha acesso ao recurso hídrico potável na torneira de casa. Mas esta é a realidade enfrentada pelos cerca de três mil moradores da localidade de Electra, mais conhecida como Salto, em São Francisco de Paula.
A comunidade vive nas margens da Barragem do Salto, que represa água do rio Santa Cruz/Caí, e atualmente conta com suporte da Prefeitura de São Francisco para conseguir suprir as necessidades mais básicas como cozinhar, lavar roupas e tomar banho. A responsabilidade para este abastecimento, conforme contrato, é da Companhia Riograndense de Saneamento – Corsan.
Na sexta-feira de tarde (27), o Jornal Integração foi acionado por moradores do Salto e foi até o local para verificar a situação. “Estamos há 29 dias sem água. Nos últimos 90 dias, em 60 não tivemos água. As pessoas trabalham o dia inteiro e quando chegam em casa não podem tomar banho, puxar a descarga ou lavar a mão. Quando temos água é graças a Prefeitura que traz com caminhão-pipa e está nos ajudando, porque a Corsan nem bulhufas”, relatou o morador Rodrigo Becker.
“Eu consegui lavar a roupa ali em casa apenas duas vezes em um mês. A Prefeitura tem trazido água todos os dias, mas ainda assim acaba faltando até para as necessidades mais básica de um lar”, acrescentou Ivete Klein.
No Salto existem cerca de 400 casas e três mil moradores. A água potável que as famílias têm acesso está sendo disponibilizada de duas formas: um caminhão-pipa visita a localidade diariamente e passa de casa em casa para abastecer os reservatórios. “Quem não tem caixa de água armazena o que consegue em baldes e vasilhas”, explicou Rodrigo. A outra forma é a utilização de um poço artesiano que enche dois reservatórios de 20 mil litros e 25 mil litros e de lá abastece algumas famílias. O poço de 135 metros foi perfurado há 13 anos e está dentro da propriedade do senhor Davenir Fantinelo da Silva.
Na sexta-feira, quando a reportagem do JI esteve no Salto, uma equipe da Secretaria de Obras de São Francisco estava na propriedade de Davenir instalando uma nova bomba para puxar água do poço artesiano (foto) para encher o reservatório central. “Estamos trazendo 12 mil litros de água pra cá, as vezes fazemos quatro viagens por dia. Ameniza, mas não resolve, são mais de três mil pessoas que moram aqui”, observa o secretário de Obras de São Chico, Cézar Tadeu Saft de Oliveira.
De acordo com Rodrigo, a estrutura existente para esse abastecimento já não dá conta de atender toda a demanda da comunidade. “O problema é antigo, mas se agravou quando começou a pandemia porque muita gente veio pra cá. Pessoas que tem casa aqui e ficavam na cidade acabaram vindo ficar aqui pra diminuir os gastos”, frisa.
Obrigação descumprida pela Corsan
A Prefeitura de São Francisco de Paula e a Corsan possuem um contrato firmado em dezembro de 2018, que prevê adesão aos serviços de abastecimento de água, e/ou coleta, afastamento e tratamento de esgoto sanitário conforme legislação estadual e federal.
Nas cláusulas deste contrato, entre as principais obrigações da Corsan, está a prestação do serviço público de abastecimento de água potável e esgotamento sanitário e compensar financeiramente usuários por desabastecimento em decorrência de interrupção de longa duração, através de desconto na fatura.
Os moradores confirmam que a estatal já chegou a ser multada por descumprimento do contrato e que há processo tramitando na esfera judicial. O secretário de Obras pondera que desde a assinatura do contrato a Corsan chegou a medir a vazão e qualidade da água no local, mas que houve solicitações da Prefeitura para conhecer os resultados e estes nunca foram apresentados.
Na semana passada, quarta-feira (25), o secretário municipal de Agricultura, Daniel Kieling, enviou um ofício para o gerente da Corsan em São Chico, Maicon de Assis Boeira, solicitando “a máxima urgência da Companhia na disponibilização de um caminhão-pipa bem como a perfuração de dois novos poços que estão previstos no plano de investimento da Corsan para o distrito. A situação de urgência se faz necessária devido aos mais de 26 dias de problemas com o fornecimento de água potável para a localidade”.
“Esse problema da bomba. Mês passado foi colocada uma bomba no poço, funcionou pouco e já estragou, ficamos 29 dias consecutivos sem água. Hoje (sexta-feira) a Prefeitura veio instalar uma bomba nova, mas é a Corsan que precisa resolver isso. A Corsan precisa fazer tudo, mas se começar pela bomba já ajuda um pouco”, descreve Rodrigo.
MINIFESTAÇÃO – Um detalhe que intriga os moradores do Salto é que poucos quilômetros abaixo da barragem, no Posso da Faca, a Corsan faz captação de água para tratar e fornecer para as cidades de Canela e Gramado.
“A Corsan vem aqui em São Chico pegar da nossa água para abastecer as duas cidades e nos ignora. Essa situação precisa ser resolvida, a Corsan precisa cumprir com o que combinou contratualmente com a Prefeitura. Nosso problema precisa ser visto”, enfatizou Rodrigo.
Ele, inclusive, comentou que existe a possibilidade de um bloqueio do trânsito na ERS-235 como forma de manifestação para chamar a atenção das autoridades regionais e para pressionar a estatal a resolver o problema do distrito.
O que diz a Corsan
O Jornal Integração procurou o gerente da Corsan em São Francisco para se manifestar sobre o problema do Salto. Maicon de Assis Boeira atendeu a reportagem e afirmou que a Corsan vai se manifestar e pediu para que o que questionamentos fossem enviados por e-mail. As perguntas foram enviadas segunda-feira de tarde (30), e até esta quinta-feira (3), não houve retorno.
Texto: Fernando Gusen | [email protected]
