Lucas estava fazendo extra no restaurante no momento do incêndio
GIAN WAGNER
[email protected]
GRAMADO – Uma série de erros e descuidos vitimaram Lucas Augusto Albarello, 27 anos, no último final de semana em um restaurante no Centro de Gramado. O descuido ao repor o líquido inflamável no acendedor do réchaud, o possível uso de produto desaconselhável e a reação da própria vítima são alguns dos fatores que determinaram o tamanho da tragédia.
Quando o fogo atingiu o corpo de Lucas, ele correu pelo restaurante e isso propagou as chamas, tanto pelo próprio corpo do rapaz como no ambiente por onde ele passou.
Após a oficialização da morte do jovem garçom, foi realizado um treinamento em outro restaurante no Centro de Gramado para os profissionais a fim de evitar que erros como os que mataram Lucas possam ocorrer novamente. Nesta reportagem, o Jornal Integração traz informações acerca do incêndio, depoimentos de vítimas e pessoas que frequentavam o local, os perigos e os cuidados ao trabalhar com fogo e uma história parecida que ocorreu em 2012, em Canela.
O INCÊNDIO –Lucas morreu após ter grande parte do corpo queimado em um incêndio na cozinha do restaurante. O sinistro ocorreu no final da noite de sábado (18) e Lucas chegou a ser socorrido com vida e levado ao Hospital Arcanjo São Miguel. Devido a gravidade dos ferimentos, ele foi logo transferido para o Hospital de Pronto Socorro (HPS), em Porto Alegre, onde foi internado na Unidade de Tratamento Intensivo (UTI).
O garçom não resistiu aos ferimentos e faleceu no início da tarde de segunda-feira (20). Além de Lucas, pelo menos outras cinco pessoas tiveram algum tipo de ferimento. Duas vítimas que tiveram queimaduras são idosos que estavam passeando na cidade. Outro funcionário também ficou internado no Hospital com ferimentos.
Lucas teria ido até a cozinha, no subsolo, para repor o líquido inflamável usado para acender o réchaud, equipamento que fica sobre a mesa aquecendo a pedra do fondue. Lá, ocorreu uma deflagração (combustão intensa, repentina e propagada por uma substância inflamável) e o equipamento explodiu, queimando o corpo do jovem e se alastrando pela cozinha do estabelecimento.
O rapaz tentou correr em direção a saída. No caminho ele se chocouem uma mesa em que havia clientes e uma idosa teve vários ferimentos nos braços, causados pela tentativa de afastar o garçom com as mãos. Quando os bombeiros chegaram, Lucas estava sentado do lado de fora do restaurante. Ele foi socorrido pelo Samu enquanto os bombeiros trabalhavam para conter o incêndio.
Conforme o irmão da vítima, o corpo de Albarellofoi velado e sepultado no final da tarde de terça-feira (21), no Cemitério Municipal de Frederico Westphalen, município onde nasceu e tinha seus familiares.
Caiu em cima de idosa enquanto queimava
Imagem mostra queimaduras na mão da vítima que encostou em Lucas na noite da tragédia
Um casal de idosos do interior de São Paulo ficou ferido. Eles são turistas e estavam a passeio em Gramado. A filha do casal, Ester da Silva, que também estava no restaurante, contou que sua mãe teve ferimentos graves. “Ele caiu em cima da minha mãe. Quase que ela morre. Conseguimos tirar ela, mas as mãos estão com queimaduras bem feias. A pele saiu e tá em carne viva. Eles (mãe de 58 anos e pai de 69 anos) estão suportando a base de morfina”, relatou. “Só quem estava lá sabe o filme de terror que foi de ver o pessoal se queimando”.
Hoje a família está em casa, em Piracicaba. Ester disse que está triste com o restaurante. “Triste pelos donos nem entrar em contato para saber como estamos”, disse. Em contrapartida, ela elogia o atendimento do Hospital Arcanjo São Miguel. “Só temos a agradecer ao hospital de Gramado que nos atendeu com muito amor e carinho, desde a recepção, médicos, enfermeiras e faxineiras”, agradece ela.
Estabelecimento está há pouco tempo sob nova direção
“Achei que iríamos morrer”
Tamiris Souza, moradora de Parobé, estava com o marido e a filha pequena no restaurante no momento do incêndio. Ela conta os momentos de horror vividos pela família e demais clientes naquela noite. “Achei que iríamos morrer”, conta. Tamiris disse que no início achou que era um assalto, mas depois viu que se tratava de um incêndio. “No início não sabíamos o que era, estávamos mais no fundo do restaurante, mas escutamos uma explosão, uma gritaria e pessoas saindo correndo. Primeiro pensamos que era um assalto, só lembro que vi meu marido pegando minha filha naquele gesto de proteção, quando vimos uma pessoa correndo em chamas em direção a única porta que tínhamos para sair”, relata. Tamiris disse que tinha cerca de 50 pessoas no local.
Mais barato, e mais perigoso
Com o intuito de economizar e também de manter o fogo aceso por mais tempo, muitos estabelecimentos utilizam etanol (usado para abastecer veículos) nos acendedores de réchaud. A denúncia foi feita ao Jornal Integração por diversos garçons que trabalham em fondues e contam que os locais usam deste combustível em substituição ao álcool etílico ou álcool gel para economizar e não precisar fazer a troca constantemente.
“Sempre trabalhei de garçom em alguns fondues de Gramado e sempre foi usado álcool de posto (etanol)”, contouGabriel Schubert, em comentário no Facebook do jornal. “Isso acontece por irresponsabilidade dos donos de restaurantesque usam esse produto para facilitar o trabalho dos garçons. Só esquecem de falar o quanto isso é perigoso”, diz outro comentário assinado por Ângela da Silva.
Tudo indica que, pelas proporções, o líquido inflamável usado no restaurante pode ter sido etanol. “A maioria [dos restaurantes] usa etanol porque é mais barato”, disse o médico de segurança no trabalho, Dr. Paulo Cauduro, em um treinamento realizado na tarde de terça-feira (21), sobre manuseio e cuidados ao trabalhar com fogo.
O sargento Miguel, do Corpo de Bombeiros, afirma que não é recomendado o uso de etanol para estes equipamentos. “Não se deve usar etanol por causa da deflagração, que provavelmente foi o que aconteceu com o jovem que veio a falecer”, disse o sargento no mesmo treinamento que reuniu cerca de 50 profissionais que trabalham em restaurantes.
Prevenir para evitar tragédias
O modo de operar o equipamento é a principal maneira de prevenir este tipo de acidente. Pensando nisso, o Dr. Paulo Cauduro, da Med&Seg, organizou um treinamento na terça-feira (21) no Restaurante Forttini. Cerca de 50 funcionários, majoritariamente garçons, participaram do evento. O sargento Miguel também esteve palestrando para falar dos cuidados com o fogo.
O sargento e médico enfatizaram que é melhor prevenir, e que a melhor forma de fazer a prevenção é agir conforme os procedimentos de segurança.
Para quem trabalha com fondue, a recomendação foi de se certificar que o fogo está apagado na hora de reabastecer o acendedor de réchaud. Usar um prolongador ao invés de isqueiro é essencial devido à proximidade que a mão fica do fogo quando é acesso com o isqueiro.
A principal recomendação foi não despejar álcool no pires (prato que fica abaixo do acendedor), procedimento feito para promover uma espécie de “show” para os clientes. “Fogo na bandeja é muito perigoso”, ressalta o Dr. Cauduro. O mais aconselhável é não reabastecer o acendedor quente. O ideal é usar um acendedor limpo e frio cada vez que o equipamento precisar de reabastecimento. “Se a gente prevenir, fazer a coisa certa, acender de longe e não usar álcool de posto, pode ser que casos como o de sábado não aconteçam”, disse Dr. Paulo.
ACONTECEU, E AGORA? –Acidentes e imprevistos podem acontecer e é muito importante estar preparado para estas situações. Para casos de fogo, água fria é sempre a melhor opção. Abafar o fogo com algum cobertor especial para isso também é uma opção. Extintor nunca deve ser usado em pessoas, pois o químico precisará ser raspado pelos médicos e isso atrapalha no tratamento.
“Sempre, a primeira coisa é chamar o socorro. Samu, bombeiros”, disse o sargento Miguel. “Deitar no chão também é essencial pois, correndo, o fogo pode se alastrar mais ainda devido ao oxigênio e deitar é uma forma de abafar”, explica o bombeiro. É preciso ter cuidado ao tentar abafar o fogo pois, se tentar usar algo errado, pode piorar a situação”, disse Dr. Cauduro.
Canelense teve corpo queimado em 2012
Em 9 de dezembro de 2012, Roselena dos Santos Aguiar foi vítima de um acidente similar em seu restaurante, localizado na entrada do Lage de Pedra, em Canela. A vítima conta que ela e o marido haviam aberto o estabelecimento há pouco tempo e em uma sexta-feira de casa lotada, ela foi reabastecer o réchaud do buffet e tinha em mãos um galão com cinco litros de álcool. “Após abastecer dois fogareiros, fui pegar mais dois e não percebi que em um deles ainda havia fogo. Então quando vi, já era tarde! Estava segurando o galão de álcool numa mão e os dois fogareiros na outra, um deles aceso”, contou Rose em uma entrevista à coluna Supermulheres.
Houve uma deflagração similar a que ocorreu com Lucas e o fogo atingiu Rose. “No susto tentei me livrar e o pior aconteceu, porque acabei derramando álcool em mim mesma, e em questão de milésimos de segundos a chama ‘voou’ em minha direção, a vasilha de álcool explodiu em minha mão, e o fogo invadiu meu rosto, meu cabelo, meu corpo”, relata.
O fogo pegou em uma cortina e se alastrou, foi para o setor de bebidas, explodindo algumas garrafas. Rose correu pra fora do estabelecimento e pediu água para as pessoas que estavam por perto. “Eu pedi pra me trazerem água, e me entregaram uma garrafinha e eu falei: eu sei que não posso tomar água, pois na tentativa de me defender, respirava rápido, lutando pela vida e acabei aspirado fogo, mas traz mais, eu quero muita água. Então alguém correu e trouxe um balde cheio e jogou em mim”, relata.
“Naquele momento eu senti que ‘deformei na hora’ e fui perdendo os sentidos, os Bombeiros chegaram, estavam me socorrendo e eu ouvindo a voz deles cada vez mais distante. Então eu apaguei e só voltei três meses depois”.
Rose sobreviveu.Ela ficou três meses em coma induzido em Porto Alegre e, quando melhorou, foi trazida para o Hospital de Canela, onde ficou por mais alguns dias. “Quando voltei pra casa, eu praticamente não falava, não caminhava. A sensação era de que nunca mais eu iria poder levar uma vida normal”.
Após uma série de cirurgias e tratamento contínuo, Rose conseguiu voltar a rotina normal. Hoje ela conta que “praticamente nada mudou em minha vida, pois voltei a trabalhar no restaurante todos os dias, reiniciando minha rotina normal. No entanto, fiz algumas mudanças na casa, no ambiente, com o intuito de amenizar as lembranças, que querendo ou não, ficam para sempre na memória da gente”, disse.