CANELA/GRAMADO – “Música transmite Covid?”. Essa é a principal indagação das pessoas que trabalham e vivem da música. Os músicos foram severamente afetados pelas medidas impostas pelo Governo do Estado com a bandeira vermelha do Modelo de Distanciamento Controlado. Pelas novas regras, que foram colocadas em práticas nessa semana, os restaurantes podem abrir para atender apenas 25% da sua capacidade de público, e sem música ao vivo.
A medida anunciada segunda-feira (30), pelo governador Eduardo Leite deixou os profissionais da música indignados, especialmente pela justificativa trazida pelo chefe do executivo estadual de que a música ao vivo obriga as pessoas a gritarem para se comunicar e com isso liberam gotículas de saliva durante a fala e isso aumenta a possibilidade de contágio.
Diante do descontentamento da categoria, que repercutiu pelas redes sociais durante toda essa semana, o Jornal Integração buscou ouvir alguns profissionais da área. A cantora Mariel Galarce diz entender as questões de saúde, mas questiona: “Se o cozinheiro pode preparar o prato do cliente, tendo contato com todo material utilizado e se o garçom pode servir o cliente encostando em pratos, copos, mesas e cadeiras, porque o músico, que fica totalmente isolado em um canto, sem nenhum contato com os clientes, não pode exercer sua profissão? A música transmite Covid? Nós, músicos, temos casas e famílias a zelar e compromissos financeiros a cumprir como qualquer pessoa”.
Mariel vem de uma família de músicos, ela toca violão e teclado. “Hoje, tenho a música como um complemento de renda, mas tenho na família pessoas que dependem somente disto. Ficamos na esperança de que algumas questões, como esta das restrições, sejam revistas pelas autoridades o mais breve possível para que possamos recuperar o que foi perdido”, finaliza.
Músico há 24 anos, Mateus Vieira é mais um dos críticos da forma com que as restrições foram impostas. Ele questiona que o músico tocando, ou não, o estabelecimento continuará comportando a mesma capacidade e que a música não vai proporcionar aglomerações. “Os músicos de restaurante não são chamarizes, os clientes vão chegar e perguntar se tem lugar, se tiver eles irão sentar e, se não, vão embora. Os artistas tem em seu poder o microfone, então, é desta forma que podemos chamar a atenção de todos, vamos usar isso para concluir o âmbito social, orientando o público caso estejam sem máscara ou em pé. Temos este dever”, explica.
Vieira enfatiza que os primeiros a começarem a trabalhar na pandemia foram os músicos, arrecadando comida e dinheiro para os mais necessitados, a exemplo de Gustavo Lima e Marília Mendonça. “Os primeiros a começarem a trabalhar foram os ‘vagabundos’, (forma como os artistas estão sendo chamados, segundo Mateus, por uma parte da população por não terem carteira assinada). A nossa revolta não é com o governo, não é com o mundo, só queremos trabalhar. Nós somos considerados supérfluos, a música ao vivo é considerada algo desnecessário mediante a esta situação, então nós somos desnecessários, essa é a revolta”, expressa Mateus.
MANIFESTAÇÕES – Mateus é um dos músicos que participou de manifestação realizada na noite desta quinta-feira (3), no Gazebo Cultural em Canela. “Nós queremos mostrar que não somos vândalos, somos músicos, nós usamos máscara e mantemos todos os cuidados necessários”, reitera.
Na quarta-feira (2), profissionais da música se reuniram no Vale dos Sinos para manifestar repúdio às medidas do governador. “Atenção Eduardo Leite, rashtag fica em casa é pra você. Fica em casa e não fala bobagem, música é vida, música é trabalho. Política e aglomerações podem, trabalhar não pode?”, expressaram os manifestantes que se reuniram no viaduto da Scharlau.
Hoje uma nova manifestação está programada para ocorrer, dessa vez em Porto Alegre, em frente ao Palácio Piratini.
Restrições da bandeira vermelha afetam outros trabalhadores
Os prestadores de serviço individuais, especialmente ligados ao setor de eventos, são os mais prejudicados, como é o caso da profissional em decoração de festas e eventos sociais e corporativos, Fabíola Ítalo, que depende desta atividade. “Nós que trabalhamos no setor de eventos fomos fortemente prejudicados desde o começo da pandemia. Fomos os primeiros a parar e seremos os últimos a retornar. Com a impossibilidade da realizações de eventos todo o setor foi paralisado e de uma hora para outra perdemos 100% da nossa fonte de renda sem nenhuma perspectiva de retomada. Hoje, passados oito meses desde o início de tudo, nos vemos novamente impedidos de trabalhar com essas restrições que vieram sem qualquer diálogo ou apoio do Governo Estadual para os profissionais deste setor”, comentou.
A suspenção dos eventos prejudica também profissionais da área de filmagens e sonorização. A bandeira vermelha imposta nessa semana refletiu no cancelamento de todos os eventos da primeira quinzena de dezembro. Em alguns casos, houve cancelamentos de atividades que aconteceriam em fevereiro.
“Eu fiquei bem mal terça-feira, pois tivemos um bom mês de novembro, com eventos sendo fechados para dezembro, janeiro, fevereiro, uma procura muito boa. E terça foi uma enxurrada de cancelamentos e muitos não serão realizados então não se recuperam mais. E agora para as ceias de natal e Reveillon os hotéis estavam me procurando. Isso está sendo terrível”, opinou Yves D’Arrigo que trabalha com sonorização.
“Estão matando nosso ramo de empresas de locação, os músicos, DJs, iluminador, cerimonialista, decoração, buffet, salão, tudo isso. Sendo que os eventos estão sendo feitos com mais segurança do que a ida até a urna eletrônica”, observou.
“A gente sabe da gravidade do vírus, mas precisamos sobreviver, e maioria das pessoas que nos repreende por querer trabalhar tem seu salário garantido. Eu estava atendendo três locais fixos durante a semana, agora não pode ter um som ao vivo para as pessoas não gritarem porque expele mais gotículas, pelo amor de Deus. A gente depende de trabalho para ter renda, eu não tenho nenhum tipo de renda que não é quando meu equipamento está em uso ou contratam meu serviço pessoal”, concluiu.
NO ESPORTE – As medidas também impedem as atividades em ginásios esportivos e atividades ligadas ao esporte. “Isso é hipocrisia dos nossos governantes. Enquanto estávamos em época de eleição com os índices de contágio subindo estávamos em bandeira laranja, passou a eleição caímos na bandeira vermelha. O governo acha que somos ignorantes, que não conseguimos fazer conexões simples sobre as coisas”, frisa Leonardo Frazão, que possui uma escolinha de futsal em Canela.
“Para o meu segmento, é um absurdo, porque aqui no Rio Grande do Sul o futsal é importantíssimo, muita gente pratica e muita gente vive do futsal, direta e indiretamente, preparadores, profissionais de educação física, árbitros, ecônomos de ginásios, etc.. E já ficamos sete meses desamparados, agora voltamos a trabalhar e fecha tudo de novo. Sendo que com os protocolos que temos no esporte se torna um ambiente bem controla, com índice de risco muito pequeno se comparado ao transporte público e a um mercado, por exemplo. Não tem cabimento. É um prejuízo enorme e quem paga essa conta?”, Questiona Frazão.