MARTINA BELOTTO
PAÍS – Aceito pela grande maioria dos estabelecimentos comerciais, o cartão de crédito é uma espécie de dinheiro virtual, que permite a realização de compras de alto valor e o parcelamento do pagamento. Ainda, a população entende que andar pelas ruas com um cartão é mais seguro do que com cédulas de dinheiro. Apesar de todas as vantagens trazidas por essa modalidade, o grande segredo é utilizá-la com cuidado e inteligência, afinal, a falsa ilusão gerada pelos limites dos cartões podem facilmente conduzir a dívidas.
Conforme dados divulgados pela Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic), realizada pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), 24,9% das famílias brasileiras têm dívidas ou contas em atraso. Em 77% dos casos, o cartão é responsável pelo endividamento. Ainda, a pesquisa aponta que cerca de 9,2% das famílias não terão como pagar essas dívidas.
Para o economista e administrador Moisés Lima Matos, o cartão de crédito oferece um empréstimo de valores que o usuário não tem naquele momento, o que pode ser considerado positivo e negativo. “Dependendo do valor do limite, isso pode significar um aumento considerável de dinheiro disponível. Isso possui aspectos positivos e negativos. Positivo pois permite parcelar compras de maior valor. O negativo é que muitos usuários consideram o limite disponível como uma receita, o que é um conceito completamente equivocado, porém é uma prática recorrente, infelizmente”, comenta.
Segundo dados do Serviço de Proteção ao Crédito (SPC), cerca de 93% dos usuários gastam mais do que deveriam. O resultado é que um a cada quatro usuários de cartão de crédito entrou no juros rotativo, que é considerada uma das modalidades de empréstimo mais caras do mercado. Isso significa que, ao invés de quitar o valor total da fatura do mês, o consumidor pagou apenas uma parte. O restante entra no crédito rotativo sobre juros, que podem chegar a mais de 300% ao ano. “Essa dívida vira uma bola de neve em pouco tempo, trazendo diversos problemas para o titular do cartão de crédito e afetando, inclusive, a vida das pessoas mais próximas, pois compromete o orçamento familiar”, coloca Matos.
Os juros do cartão de crédito rotativo atualmente estão variando entre 200% a 300% ao ano. E, apesar de já terem sido mais altos, ainda são extremamente abusivos. “As operadoras de cartão de crédito sabem que os juros cobrados são abusivos, mas não mudam sua política. O Conselho Monetário Nacional, que é o órgão superior do Sistema Financeiro Nacional, tendo como responsabilidade a formulação de políticas da moeda e de crédito, buscando a estabilidade e o desenvolvimento econômico e social do país, deveria combater isso com maior empenho, porém faz pouco”, aponta o economista.
80% das compras são pagas com cartão de crédito na Região
Nos últimos cinco anos, com o surgimento das chamadas fintechs, a venda de cartões de crédito foi facilitada. Os bancos tradicionais deixaram de ser os grandes responsáveis pelo fornecimento de um cartão. Esses novos players, permitiram que, por meio da internet, fosse realizada a solicitação sem precisar de uma conta bancária ou comprovação de renda. “São disponibilizados, inclusive, aplicativos de celulares para controlar e acompanhar seus gastos. As anuidades foram zeradas. Isso tudo contribuiu essa massificação no acesso e uso do cartão de crédito”, explica Matos.
Atualmente, a população utiliza o cartão para compras de diversas espécies. Uma pesquisa do SPC indica que os consumidores usam a modalidade de pagamento da seguinte maneira: alimentos (66%), remédios (46%), roupas e calçados (36%), combustíveis (35%), bares e restaurantes (29%) e serviços de streaming (19%).
Em pesquisa feita pelo Sindicato dos Lojistas da Região das Hortênsias (Sindilojas) junto aos associados, verificou-se que 80% das compras são pagas via cartão de crédito e os outros 20% são em carnês, cheques e dinheiro em espécie. Atualmente, 95% dos estabelecimentos da Região das Hortênsias trabalham com cartão de crédito. “Em muitos estabelecimentos a quantidade de parcelas para a compra é atrativa. Por estes e outros motivos, o seu uso tornou-se comum. Para acompanhar este movimento é importante para o estabelecimento oferecer esta forma de pagamento para o consumidor”, comenta o presidente da entidade, Guido Thiele.
Por outro lado, Thiele afirma que o uso do cartão de crédito deve oferecer segurança e garantia de recebimento para o estabelecimento comercial, facilitar as transações, amenizando os registros de inadimplência. “Há uma solução inteligente que é oferecida pelo próprio Sindilojas: Conciliação e Recuperação de Crédito, que tem por finalidade fazer a conciliação automática das vendas gerando informações da projeção de recebimento, detalhando taxas, descontos e inconsistências entre os dados de vendas e recebimento. E a recuperação de crédito através de uma análise e revisão dos últimos cinco anos de operações”, explica ele.
Já o secretário executivo da Câmara de Dirigentes Lojistas de Gramado (CDL), Rudimar Freitag, contrapõe que o cartão também traz dificuldades para o pós-venda do comércio. “Ele tem vantagens, agilidade e segurança na compra, mas uma coisa muito importante é que a compra com cartão não permite criar um banco de dados daquele cliente. Tu não tem contato nenhum com ele depois, não pode mandar uma mensagem de Feliz Aniversário, nem nada. As pessoas têm a ideia de que o parcelamento de cartão é mais seguro do que o crediário, mas já está se provando que ele não é totalmente confiável, além de não termos como fidelizar aquele cliente depois”, coloca.
Como evitar dívidas?
O cartão de crédito deve ser utilizado com muito controle e responsabilidade. O valor gasto no cartão de crédito deve estar dentro do orçamento do titular do cartão. Fazer uma planilha simples ou relacionar num caderno todas as receitas e despesas ao longo dos meses são dicas importantes. “Corte os gastos desnecessários e supérfluos. No final, você tem que receber mais do que gasta. Isso é fundamental. Depois é realizar o controle sistemático mensal para manter o orçamento equilibrado”, sugere Matos.
Um passo importante para evitar as dívidas é analisar se, de fato, o cartão é necessário. Caso seja, existem opções no mercado de cartões de crédito sem taxas e tarifas, como por exemplo, o Digio e o Nubank. “Os cartões sem anuidades são alternativas aparentemente melhores. Conduto, as taxa de juros são praticamente as mesmas cobradas por todas as operadoras. Ou seja, um cartão sem anuidade de nada adianta se você utilizar o crédito rotativo. A grande questão é você realizar uma boa gestão do orçamento doméstico relacionando receitas e despesas, inclusive do cartão de crédito. A conta tem que fechar no azul”, frisa o economista.
Me endividei. O que fazer?
Matos explica que o primeiro passo é procurar renegociar a dívida. “Sempre é possível reduzir o valor total a ser pago. A opção de contrair um empréstimo com taxas de juros menores também é muito válida. Esse é um bom caminho para quitar a dívida do cartão de crédito e limpar o nome, caso o seu CPF esteja em algum serviço de proteção ao crédito”, destaca.
Ele também comenta que no mundo das finanças existe um ditado que diz que quem poupa sempre tem. “Economizar é ter uma boa saúde financeira. Isso é imprescindível. Sem dúvida alguma é uma mudança cultural, porém ela traz muitos benefícios já no curto prazo. Os bancos e operadoras lucram muito com o endividamento de alguém, ou seja, é preciso manter o controle sobre o orçamento doméstico evitando que o dinheiro arduamente conquistado por você, acabe nas mãos de quem menos precisa”, finaliza.