MARTINA BELOTTO
GRAMADO – Tradicionalmente utilizados em shows e comemorações, os fogos de artifício são acompanhados de estouros prejudiciais aos animais dotados de sensibilidade auditiva. Não somente os pets são afetados pelos ruídos. Seres humanos também podem sofrer consequências. Uma alternativa para evitar a exposição da população e dos animais aos barulhos intensos dos fogos foi proposta por um projeto de lei do vereador Rafael Ronsoni (Progressistas) e do prefeito Fedoca Bertolucci (PDT), que proíbe a soltura de fogos de estampido, de artifício e de artefatos pirotécnicos de efeitos sonoros no município.
Conforme a médica veterinária, Marina Toniolo, a proibição de fogos de artifícios com efeitos sonoros tem um impacto positivo muito importante para a saúde humana, ambiental e animal, visto que o barulho emitido afeta diretamente a audição de muitas espécies. “Muitos cães e gatos desenvolvem transtornos comportamentais, como fobias, pelo fato da sua audição ser muito mais apurada e sensível que a humana. O som produzido pelos fogos incomoda os animais causando quadro de pânico, que pode levar a fugas, lesões por esforço e até enforcamentos caso o animal esteja preso em correntes ou com coleiras que podem se prender a objetos. Animais que possuem doenças neurológicas e cardíacas, como epilepsia e insuficiência cardíaca, podem apresentar convulsões e paradas cardíacas respectivamente”, explica.
A luta pela proibição dos fogos de artifício é antiga entre defensores da causa animal. Mônica Noel Boff, protetora ativa na causa animal, possui 28 pets em casa, além de mais 14 animais comunitários. Ela também é envolvida em ações de auxílio com ração e castração. “Eu particularmente sofro horrores com meus cachorros, é um desespero só. Nunca posso me programar para estar na rua nestes momentos para poder apaziguar meus cachorros”, conta.
Para ela, é importante lembrar que os fogos não atingem somente os animais. A preocupação deve se estender à crianças e idosos, por exemplo. “Os fogos não afetam somente os animais, mas também crianças, idosos e pessoas doentes”, comenta. “Quem sofre problemas de saúde também pode ter distúrbios e necessitar auxílio médico imediato”, acrescenta Marina.
No caso das pessoas, os fogos podem causar efeitos como estresse, ataque epilético, surdez e ataque cardíaco. O ouvido humano tolera ruídos de até 70 decibéis, enquanto um fogo de artifício tem um ruído em torno de 120 a 140 decibéis. Então, se a pessoa estiver muito próxima dos ruídos, pode sofrer consequências, como a ruptura do tímpano e inflamação do nervo auditivo, ou, em casos mais graves, perda definitiva da audição.
Ainda, conforme dados do Ministério da Saúde, mais de sete mil pessoas sofreram lesões em razão do uso de fogos nos últimos anos, como queimaduras, amputações de membros, perda de visão e audição.
Autistas possuem maior sensibilidade a sons e ruídos
Cerca de 90% das pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA) e 30% de pessoas neurotípicas apresentam algum problema de processamento sensorial. Entre eles está a hiperresponsividade auditiva, que é a reação de extrema sensibilidade a sons, ruídos e barulhos. Estudos comprovam, inclusive, que quando crianças apresentam algum tipo de alteração sensorial, elas podem sentir até oito vezes mais as entradas sensoriais.
“O que para nós pode ser um desconforto, para essas pessoas pode causar dor e respostas comportamentais de desorganização. Muitas cidades já aderiram à proibição de fogos com ruídos e foguetes, respeitando essas características, como Florianópolis, Poços de Caldas, São Paulo, Campos do Jordão. Parabéns ao projeto de lei, mostra de civilidade e empatia”, ressalta a terapeuta ocupacional, Janine Hrabal, que atua com crianças autistas na Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae).
Karla Fecker, mãe do Arthur, conta que o filho autista de seis anos se incomoda com os barulhos de fogos. “Na minha opinião é muito importante esta proibição. Para as pessoas autistas os fogos variam de um pequeno incômodo até uma ocorrência dolorosa e assustadora. O barulho incomoda muito e eles entram em crise”, relata.
Devido a isso, ela e o marido Cledson Machalowski buscam não levar o filho a shows e apresentações que tenham fogos pirotécnicos. “O Arthur fica agoniado com o barulho, mas não arriscamos e não vamos a lugares onde tenham fogos de artifícios, justamente para evitar”, afirma.
Conheça o projeto de lei
Um primeiro projeto de lei, realizado pelo vereadores Rafael Ronsoni e Vera Simão (suplente), ambos do Progressistas, tratava da proibição de artefatos pirotécnicos que utilizem pólvora em Gramado. O projeto, de dezembro de 2018, foi estudado em parceria com o Executivo e foi modificado, buscando torná-lo aplicável na prática. Uma nova proposta foi construída entre o prefeito Fedoca e Ronsoni, o que resultou em uma iniciativa inédita, já que este é o primeiro projeto realizado em parceria entre os dois poderes.
A principal mudança no projeto diz respeito ao uso de pólvora, visto que outros objetos, como armas de fogo de policiais, também possuem pólvora. Desta forma, a nova lei proíbe o manuseio, a utilização, a queima e a soltura de fogos de estampidos e de artifício, assim como quaisquer artefatos pirotécnicos de efeito sonoro ruidoso em todo município. Também é importante destacar que a legislação não pode impedir a venda dos fogos, apenas pode orientar que eles não sejam utilizados.
Os fogos de vista (produzem efeitos visuais sem estampido) e similares de baixa intensidade serão permitidos. A classificação de poluição sonora, de acordo com o projeto, será aplicado conforme o previsto nos termos da Lei Complementar nº 1/2018, do Código de Posturas. O descumprimento da legislação acarretará multa de R$ 1.945,61 e dobrará na hipótese de reincidência em período inferior a 30 dias.
A lei se aplica a ambientes fechados e abertos, áreas públicas e locais privados, eventos públicos ou privados. Durante a construção do projeto, o Legislativo buscou conversar com empresas que trabalhem com a venda de fogos de artifício, e a resposta é que, atualmente, não existe no Brasil fogos 100% sem ruídos para venda. Entretanto, há opções com menos intensidade de estouro.
“Cabe ressaltar que a referida proposição não objetiva acabar com os espetáculos e festejos realizados com fogos de artifícios, apenas visa proibir que sejam utilizados artefatos que causem barulho, estampido e explosões, causando risco à vida humana e dos animais. O benefício do espetáculo dos fogos de artifício é visual e é conseguido com o uso de artigos pirotécnicos sem estampido, também conhecidos como fogos de vista”, explica o projeto.
A fiscalização será de competência dos órgãos de fiscalização municipal, das forças policiais e dos demais órgãos de controle. A comunidade também terá papel importante na fiscalização, podendo fazer denúncias relacionadas ao descumprimento da legislação. Serão admitidos todos os meios de prova, como gravações de áudio e/ou vídeo capturado por dispositivos eletrônicos, que serão anexados ao processo administrativo, que deverá ser instaurado pela Administração para apuração do descumprimento da Lei.
Os valores recolhidos com as multas serão revertidos para custeio de ações de posse responsável e direito dos animais, para programas de controle populacional por meio de castração de animais ou para programas que visem à proteção e manejo dos animais silvestres. O dinheiro deverá ser depositado no Fundo Municipal do Meio Ambiente.
O projeto foi lido na sessão de segunda-feira (13) e, agora, passa por análise das comissões. Por se tratar de uma proposta com cunho ambiental, possivelmente haverá audiência pública. Caso aprovada, a lei entra em vigor 180 dias após a data da publicação.