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O silêncio interrompe sonhos

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A violência sexual de crianças e adolescentes é uma das formas mais perversas de violência. O abusador, em geral, valendo-se do poder e da confiança que exerce sobre a vítima viola sua intimidade em busca de satisfazer seus desejos, ignorando a devastação desses atos no futuro da criança.A sociedade precisa olhar com mais atenção para este assunto, falar mais, quebrar tabus, ensinar as crianças e denunciar,pois o silêncio interrompe sonhos.

Um estudo produzido pela Childhood Brasil em 2019 apontou que apenas 10% dos casos de abuso e exploração sexual contra crianças e adolescentes são, de fato, notificados às autoridades. Isso significa que apenas um em cada 10 casos chegam ao conhecimento das autoridades.

Segundo dados da Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos (Disque 100), entre 2011 e 2019 foram registradas cerca de 200 mil denúncias de abuso contra crianças e adolescentes no Brasil. Considerando que apenas 10% dos casos são denunciados, mais de dois milhões de vítimas sofreram abuso no país neste período. Em 2020, o Disque 100 recebeu 95 mil denúncias.

Ainda não é possível quantificar o agravamento deste problema por causa do isolamento social provocado pela pandemia da Covid-19. Em Canela, as notificações reduziram significativamente e estima-se que o confinamento tenha gerado um aumento nos abusos intrafamiliares. “Porque as crianças estão mais em casa, os adultos também. As dificuldades psicológicas e emocionais, a ameaça do vírus, pela falta do trabalho que acarreta dificuldades financeiras. Esses fatores externos também influenciam para que esses atos aconteçam”, observa Heloísa Seibel, psicóloga do Centro de Referência Especializado e Assistência Social (Creas) de Canela.

Especialistas alertam que 80% dos casos ocorrem dentro de casa, justamente por quem deveria proteger as crianças, e a maioria envolve pessoas da família. Grande parte das vítimas são meninas. O abusador não tem perfil, está acima de qualquer suspeita e normalmente não deixa sinais físicos nas vítimas, por isso não é tão simples identificar um abuso. O segredo é estar atento às mudanças repentinas de comportamento dos filhos. É possível prevenir, mas isso deve começar desde cedo, mantendo uma relação de cumplicidade e diálogo constante com os filhos.

“Se tu conhece o teu filho, só no olhar pra ele tu vai perceber se ele está diferente. O problema é que os pais estão com pouco tempo para cuidar dos filhos e só vão tomar atenção quando a situação já está grave. Os pais precisam tirar mais tempo para estar com os filhos. Não existe uma fórmula, não existe um receita de bolo, é só dedicar mais atenção e estar mais com os filhos”, orienta Valquíria Cristina Dias, assistente social e coordenadora do Creas em Canela.

A Polícia Civil, por meio do delegado Vladimir Medeiros, confirma que durante a pandemia não houve aumento no número de registros de ocorrências. “O número de registros não indica aumento, mas acreditamos que no período os índices possam ter aumentado em razão de haver mais convívio nas residências e termos, assim, uma subnotificação”, informa.

CONCEITO – Diversos autores descrevem o abuso sexual como a forma de violência que acontece dentro do ambiente doméstico ou fora dele, podendo o agressor ser pessoa conhecida ou desconhecida da vítima. O fenômeno consiste numa relação adultocêntrica, sendo marcado pela relação desigual de poder. O agressor domina a criança e/ou adolescente, se apropriando e anulando suas vontades, tratando-os, não como sujeitos de direitos, mas sim como objetos que dão prazer e alívio sexual.

O abuso sexual contra crianças e adolescentes é conceituado como: 1) Todo ato de natureza ERÓTICA. 2) COM ou SEM contato físico. 3) COM ou SEM uso de força e 4) Entre um adulto ou adolescente mais velho e uma criança ou adolescente.

Escola tem papel crucial nos índices de notificações

Dados do Disque 100 apontam que mais de 70% dos registros ocorreram dentro da casa da vítima ou do abusador. E por conta da pandemia as escolas interromperam suas atividades e o convívio das crianças com possíveis agressores acabou intensificado, o que pode ter refletido no aumento dos abusos e na diminuição das notificações.

A escola tem um papel fundamental em proteger e dar respaldo para essas vítimas sendo, muitas vezes, o único refúgio de segurança que a criança possui, visto os bons vínculos e a empatia com os professores, cuidadores, as tias da cozinha e colegas.

O isolamento favoreceu que as violências ficassem mais estritamente no segredo, dentro da família. Na outra ponta, as restrições impostas por causa da pandemia causaram redução na carga horária de atendimentos dos órgãos que atuam na rede de proteção.

“Com a orientação do fique em casa, houve redução na carga horária de atendimento. Isso, aliado a cultura da subnotificação (não denunciar), refletiu no aprofundamento deste problema”, pondera Tânia Aguiar, assistente social do Creas Canela. “Com a escola fechada aumenta a subnotificação, porque a criança não tem para quem contar”, complementa o advogado do Creas, Gustavo PortHanel. Com o retorno da atividade escolar estima-se que aumente o número de atendimentos com muitos casos vindo à tona.

Para o Conselho Tutelar a escola faz muita diferença no índice de notificações. “A escola, quando desconfia aciona o Conselho Tutelar, seja pelo professor, direção ou pela tia da cozinha. E com a escola fechada acabou dificultada a notificação de muitos casos”, exalta o conselheiro Adir Júnior.

Um caso levado ao Conselho Tutelar pela escola e que teve um desfecho positivocontou com a percepção de uma professora. “A professora notou que o padrasto de uma aluna começou a rodear a escola. E na escola a guria pedia pra ir pra casa mais cedo porque tinha que fazer o serviço, limpar a casa. E como era o horário que a mãe estava trabalhando, ela ia pra casa e ele abusava dela. Em uma semana a professora desconfiou, a gente atendeu e foi feito o afastamento dele”, contou a conselheira Cláudia Fagundes.

Capacitação da rede para desvendar mais casos de abuso

Escolas, Postos de Saúde e os Centros de Referência em Assistência Social (Cras), pelo contato tão próximo com as famílias, possuem um papel importante no contexto das notificações. Por isso, tanto o Creas quanto o Conselho Tutelar defendem um treinamento dos servidoresque atuam nesses eixos para estarem ainda mais preparados para identificar fatores de risco, encaminhar os casos e manejar as situações.

Neste enredo o Conselho Tutelar salienta a história de uma menina que foi abusada pelo pai dos 5 aos 13 anose que acabou ignorado por um educandário. “Ela já tinha contado pra mãe e contou que já tinha contado também na escola. O que ela nos disse: que na escola disseram pra ela que era uma fase do pai que ia passar. Claro que depois a escola negou, mas ela disse que tinha contado. Então é necessário que haja uma capacitação dos educadores para identificação de possíveis casos e que se faça a denúncia”, disse o conselheiro tutelar Paulo Moraes.

Proteger a criança e seu bem estar é o primordial. “A primeira coisa é proteger a criança. É muito raro receber uma denúncia e não ser nada. Me lembro de apenas um caso, ademais sempre se confirma”, sublinha Paulo.

CASO ARACELI: um crime perverso que ficou impune

18 de maio é celebrado o Dia Nacional de Combate ao Abuso e Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, data determinada oficialmente pela Lei 9.970/2000. Este é um dia reservado para enaltecer a conscientização da sociedade e autoridades sobre a gravidade da violência sexual de meninos e meninas.

O dia 18 de maio foi escolhido para essa exaltação em memória à menina AraceliCabrera Sánches Crespo, de 8 anos de idade, que foi sequestrada, drogada, violentada e assassinada em 18 de maio de 1973. O crime bárbaro ocorreu na cidade de Vitória, no Espírito Santo. O corpo da menina foi encontrado somente seis dias após o crime, desfigurado por ácido e com marcas de violência e abuso sexual. Os principais suspeitos, Paulo Helal e Dante Michelini,de famílias influentes, foram condenados pelo crime em 1980. No entanto, em novo julgamento, em 1991, os réus foram absolvidos após extensivo reexame do processo.

“Já vimos de tudo que se possa imaginar”, diz assistente social

“Nós já vimos de tudo que se possa imaginar de violência sexual. Já vimos casos com bebês, crianças de dois anos, de tudo. E quanto menor é a criança, maior é a possibilidade do abuso se perpetuar por mais tempo”.

A frase da assistente social Tânia Aguiar retrata a gravidade do problema em Canela. Ela integra a equipe do Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas), uma unidade pública de proteção social especial que atua junto às famílias e indivíduos que tenham seus direitos violados.

Ouvir, acompanhar, promover visitas e orientar são algumas das atribuições da entidade, que está situada na rua Pedro Oscar Selbach, 140. É ali que acontece o atendimento especializado na área de proteção social com a equipe formada por Valquíria Cristina Dias (assistente social e coordenadora), Micheli Magro (assistente social), Tânia Aguiar (assistente social), Heloísa Seibel (psicóloga), Daniela Manique da Silva (psicóloga) Gustavo PortHanel (advogado), Adilson Fontoura (educador físico) e Camila Heidrich (estagiária de psicologia).

“A vítima precisa ter certeza que ela vai denunciar e vai ter uma rede de proteção que vai cuidar e atender ela e tem que ter a certeza que não vai ficar impune. Quanto menos se denuncia, mais se favorece e fortalece a perpetuação da violência sexual e de outras violências”, enfatiza Tânia.

Muitas vezes fica a palavra da vítima contra a palavra do agressor. “A palavra da vítima tem sempre que ser considerada. Por isso a importância dessa vítima ser ouvida e acompanhada por um profissional qualificado para este tema”, acrescenta.

“A gente atende muitas situações de crianças que chegam aqui, ou adolescentes, que sofreram violência sexual e quando vamos conversar com as mães ou avós, descobrimos que elas também passaram por situações de violência sexual. Já atendemos vários casos assim, por isso que é muito importante que a rede, quando identifica uma situação de violência, consiga intervir para romper essa vivência familiar e ajudar as novas gerações a não passarem por isso”, completa.

“O abusador sendo uma pessoa da família, a criança tem medo de perder o amor dessas pessoas fazendo a denúncia. Muitas crianças acham normal a relação de carinho sem saber que aquilo pode ser um abuso. No caso das adolescentes, elas se sentem constrangidas quando existe um ato libidinoso. Muitas vezes, a pessoa com quem elas compartilham o fato, insinuam que elas que podem ter provocado”, destaca Heloísa.

Os casos de abusos sexuais estão presentes em todas as esferas sociais, independente do poder aquisitivo ou religião. Os atendimentos que chegam ao Creas são, na maioria, de pessoas que dependem do serviço público. Os abusos que ocorrem em classes sociais elevadas acabam aparecendo menos por conta das condições financeiras de buscar atendimento na rede privada. Mas a equipe do Creas já atendeu casos com envolvimento de figuras da alta sociedade.

REFLEXOS PARA A VIDA TODA – O adulto que busca prazer com criança ou adolescente não leva em conta o quanto isso mexe com a personalidade da vítima, gerando transtornos graves como tentativa de suicídio, dificuldade de relacionamento, ansiedade, agressividade, dependência de medicamentos, dentre outros inúmeros reflexos psicológicos.

Parte expressiva das vítimas não consegue superar o trauma.“Sob o ponto de vista psicológico, as nossas intervenções buscam reduzir os danos, porque as crianças e adolescentes vítimas muitas vezes até conseguem administrar essas situações com ajuda psicológica e da psicoterapia, mas as vezes não conseguem se estabilizar emocionalmente e, dependendo da frequência da violência, ficam com transtornos mais graves”, confirma a psicóloga Heloísa.

“Nos atendimentos nossos aqui, o abusador, geralmente da família, nunca diz que abusou, obviamente. E a criança ou adolescente têm muita dificuldade de dizer que foi abusada. Se a criança ainda é pequena, ela não entende esse abuso. Ela não sabe direito o que está acontecendo”, alerta.

PROTEÇÃO À VÍTIMA – Em casos de violência sexual, bem como de outras formas de violência, quando se percebe que a família não terá condições de proteger a vítima adota-se uma medida chamada de acolhimento institucional, onde a criança é afastada da família e levada para um abrigo e, em alguns casos, encaminhada para adoção. Este é o último recurso depois de esgotadas as demais possibilidades legais de proteção.

“Quando a gente avalia que não há mais possibilidade de essa criança retornar para o núcleo familiar, temos duas opções: ou vai para a família extensa ou adoção. O nosso trabalho principal é preservar os laços familiares, mas quando avaliamos que não tem mais o que fazer vai para adoção”, explica Tânia.

EXPLORAÇÃO SEXUAL – A diferença entre explorar e abusar é que na exploração ocorre pagamento em dinheiro ou outro tipo de benefício. E por mais difícil que possa parecer, existem casos de exploração sexual em Canela. “A questão da exploração sexual existe aqui em Canela, mas não chegam notificações pra nós. Essa é uma demanda invisibilizada, mas que existe. Inclusive de meninas de 11 anos que são exploradas, muitas vezes também em condições de extrema pobreza”, revela Tânia.

Além da existência deste cenário na cidade, tem situação onde é a mãe ou o pai que promovem a exploração sexual da filha. Um dos motivos está relacionado à fragilidade dos vínculos familiares. “E tem mãe que sequer tem consciência que está fazendo mal”, complementa.

PREVENÇÃO – A equipe do Creassugere que, além de campanhas publicitárias de conscientização social, a prevenção ocorre com um pré-natal bem feito, com a presença do pai no pré-natal, bem como trabalhar educação sexual na escola.

Qualificar a rede na identificação e compreensão e na intervenção é outra forma. As pessoas precisam saber onde recorrer quando precisa de ajuda, então também é preciso ampliar os mecanismos de denúncia. Romper a cultura patriarcal e trabalhar os vínculos também ajudam na prevenção.

Conscientização, prevenção e denúncia

18 de maio é o “Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes” e, anualmente, entidades governamentais, não-governamentais e representantes da sociedade civil aproveitam essa data para, além de formulação de políticas públicas, promover reflexões e debates em torno do tema.

Pensando nisso, o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, por meio da Secretaria Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente lançou a campanha “Maio Laranja”, que tem como escopo, durante todo o mês de maio, incentivar a realização de atividades para conscientizar, prevenir, orientar e combater o abuso e a exploração sexual de crianças e adolescentes.

A proposta é tirar o tema da invisibilidade, informando, sensibilizando, mobilizando e convocando toda a sociedade a participar da causa em defesa dos direitos de crianças e adolescentes.

“A infância é uma das fases mais importantes do desenvolvimento humano e um evento traumático nesta fase pode ser determinante para a fase adulta. Muitas vezes a criança ou adolescente não relata o episódio de abuso, por não compreender ou por medo, mas alguns sinais podem ser percebidos de forma involuntária. Em casos onde há suspeita ou certeza, não hesite, denuncie!”, conclamou o secretário nacional dos direitos da criança e do adolescente, Mauricio Cunha.

CONTA QUE EU TE ESCUTO – Além da repressão à violência, a Polícia Civil, por meio do Departamento Estadual de Proteção a Grupos Vulneráveis (DPGV) e a Divisão Estadual da Criança e do Adolescente (DECA), atua também com a prevenção e por ocasião do Dia Nacional de Combate ao Abuso Sexual lançou a campanha “Conta que eu te escuto”.

A intenção da campanha é alertar a sociedade sobre a importância e a necessidade de ouvir as crianças e adolescentes e incentivar que se busque a rede de proteção para receber amparo legal, psicológico e protetivo para superar o trauma.

IECLB CANELA – A Igreja Evangélica de Confissão Luterana do Brasil está promovendo a 1ª Semana de Prevenção ao Abuso Sexual Infantil. Entre as ações está o lançamento da cartilha Família Protetora e a realização da Maratona de Prevenção ao Abuso Sexual (Maratona PAS) com a psicóloga especialista em sexualidade humana e criadora do curso de educação sexual infantil.

“Isso não passa. O tempo não apaga”, diz conselheiro tutelar

O Conselho Tutelar faz parte da rede de proteção de crianças e adolescentes e atua para garantir que os direitos infanto-juvenis não sejam violados. Para os casos de abuso sexual, o conselheiro Paulo Moraes destaca que “é um erro achar que vai passar. Isso não passa, tem que ter acompanhamento profissional. O tempo não apaga isso. As famílias precisam estar atentas, as crianças são inocentes e vítimas dos abusadores”.

Junto com ele, Adir Júnior, Cláudia Fagundes, Eluise Araújo e Renata Wortmann formam o quinteto de conselheiros tutelares em Canela. O que todos ensinam é que o abusador não tem cara e está acima de qualquer suspeita, podendo ocorrer com qualquer família.

Para o Conselho é pertinente trabalhar a educação sexual com as crianças desde cedo para que as vítimas, especialmente as crianças, compreendam os abusos. “É importante ensinar desde cedo que o teu corpo é teu e ninguém tem o direito de encostar no teu corpo. É preciso denominar os órgãos íntimos, criou-se um tabu que tu não pode ensinar isso para teus filhos”, sugere Eluise.

ONDE BUSCAR AJUDA

Conselho Tutelar Canela – 98133.0820

Conselho Tutelar Gramado – 99977.1973

Creas Canela – 3282.5102 | 99157.1681

Creas Gramado – 3286.0838 | 98406.2944

Polícia Civil Canela – 3282.1212 | 99614.1416

Polícia Civil Gramado – 3286.2300

Brigada Militar – 190

Disque 100 – (61) 99656.5008

A denúncia pode salvar a vida de uma criança. Toda denúncia pode ser feita de forma anônima e qualquer uma destas instituições manterá sob sigilo total a identidade do denunciante. Denuncie!

É unânime a existência de abuso sexual em todas as classes sociais e no trabalho do Conselho, assim como no Creas, se vê de tudo. “Isso é uma coisa que antes de ser conselheiro tutelar a gente nem sonha que existe tanto. Quando tu entra aqui tu te apavora”, salienta Adir.

Antes da pandemia era dasescolas que vinham maior parte das notificações. Boa parte dos casos chegam pela mães e também pelo hospital. E não são apenas as meninas que sofrem com abusos sexuais, meninos também são vítimas, especialmente pelas investidas de mães, madrastas e avós. “No caso dos meninos, é mais difícil de descobrir porque pra eles é mais difícil de contar. O número de denúncias é bem menor, mas existe”, contam.

Estrutura familiar com os vínculos fragilizados influencia bastante nos atos de abusos. É comum uma moradia pequena, com poucos cômodos, abrigar muitas pessoas. Sem condições, o casal acaba dividindo o quarto, as vezes até a cama, com os filhos. Esse cenário reflete no desenvolvimento da criança, pois também é comum que os pais façam sexo na presença dos filhos, achando que estão dormindo, ou assistem a filmes pornográficos. A criança, na escolinha, acaba querendo repetir os gestos com os coleguinhas.

O TRABALHO DO CONSELHO TUTELAR – Entre as atribuições está a de fazer cumprir o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). A competência legal está diretamente relacionada à aplicação das chamadas medidas de proteção à criança e ao adolescente sempre que os direitos reconhecidos em Lei forem ameaçados ou violados. O ECA considera criança quem tem 12 anos incompletos e adolescente de 12 a 18 anos.

Todas as denúncias que chegam ao órgão são averiguadas e, quando constatadas suspeitas de abuso, todas são levadas à Delegacia para registro de ocorrência policial para então iniciar os trâmites legais de proteção às vítimas e penalização dos abusadores. “Primeiro passo é a Delegacia, por causa do encaminhamento à perícia. Esse passo desencadeia os demais atendimentos necessário”, explica Adir Júnior.

Dentro dos procedimentos estão as perícias físicas e psíquicas que normalmente ocorrem em cidades como Caxias do Sul, Taquara e Porto Alegre. Em casos de flagrante a vítima é levada às pressas para o Departamento Médico Legal (DML) e Programa de Atendimento às Vítimas de Violência Sexual (Pravivis) em Caxias do Sul, para coleta de material biológico, tratamento de lesões e realização de exames.

O Conselho Tutelar faz todos os encaminhamentos necessários e depois que o caso chega à Polícia Civil, a investigação que assume.

MEDIDA PROTETIVA – Assim que os órgãos competentes são informados sobre o abuso, é solicitada medida protetiva. Neste processo busca-se em primeiro lugar um familiar que tenha vínculo com a vítima e que possa cuidar dela até que se esclareça o caso. Se por ventura não houver familiar próximo ou alguém com vínculo e, esgotando-se todas as possibilidades de ter uma pessoa para se responsabilizar pela vítima, ela é encaminhada para o acolhimento. “Esse é o último recurso”, observa.

Nestas medidas é necessário tirar o abusador de cena. “A gente pede, mas nem sempre dá. As vezes a própria mãe não deixa dizendo que ele não fez nada. Então a gente tira a vítima de dentro do ambiente e leva para um abrigo”, explica Adir.

O cenário pandêmico prejudicou o andamento dos casos envolvendo abuso sexual de crianças e adolescentes. “Tem casos de um ano que está sendo esperado para fazer a perícia psíquica, ou seja, as duas perícias nessa pandemia, esquece. É difícil, imagina, depois de um ano a criança vai lá pra contar o que aconteceu, muitas vezes até já esqueceu”, frisa Cláudia.

POUCAS PRISÕES – Uma queixa da rede de proteção está relacionada a penalização dos abusadores. No entendimento do Conselho Tutelar, a legislação brasileira, embora esteja um pouco mais dura, podendo ultrapassar os 15 anos de reclusão, não tem base sólida para colocar o abusador na cadeia. Sem flagrante e sem provas não há prisão.

“Temos o caso de um abusador em Canela que já abusou mais de uma criança da mesma família e pela lei é considerado inocente. Isso desanima a gente. Ele era casado com uma mulher e abusou da enteada, mocinha, ela acabou indo para o abrigo porque ninguém na família tinha condições de ficar com ela. Ele continuou com a mulher e tiveram uma filha, daí ele abusou da filha. A criança com quatro anos foi retirada de casa e levada pra casa da tia, foi feito perícia e tudo e sabemos que ele anda por aí. Como não houve flagrante não foi preso. Isso desanima”, lamenta Cláudia.

O que sustenta a determinação dos conselheiros é a proteção à vítima. “Mas por mais que não se consiga penalizar o agressor, há uma vítima, e é vítima, não importa a roupa que estava usando, se sentou no colo, é vítima e precisa ser acompanhada pela rede de proteção, precisa de psicólogo, assistente social”, destaca Paulo.

SINAIS DE ALERTA

Crianças ou adolescentes que são vítimas de abuso sexual, costumam apresentar alguns sinais e certas mudanças em seu comportamento, por isso os pais ou responsáveis devem estar atentos a alterações de hábito que ocorram de maneira abrupta ou repentina. Observe sempre seus filhos e verifique a presença de:

• Problemas escolares como notas baixas, agressividade com colegas e professores e isolamento social.

• Insônia, pesadelos frequentes, querer dormir com a mãe ou com a luz do quarto acesa.

• Perda de apetite ou compulsão alimentar.

• Curiosidade sexual excessiva ou conhecimento sexual inapropriado para a idade.

• Desenhos e textos relacionados às situações de abuso sexual.

• Interesse por brincadeiras, filmes e jogos sexualizados.

• Exposição frequente dos genitais ou presença de gestos sexuais.

• Instabilidade emocional ou tristeza profunda manifestos através de choros sem razão ou motivo aparente, depressão, transtornos de ansiedade, ideação suicida.

• Incomodar-se ao ser abraçado ou ser tocado (a).

• Autodepreciação do corpo.

• Comportamento extremamente tenso, uso de palavrões ou presença de gestos obscenos.

• Dor, inchaço ou sangramento em área genital ou infecção na região genital e abdominal

• Aparecimento de hematomas no corpo.

• Ocorrência de doenças sexualmente transmissíveis.

• Falta de confiança na figura feminina ou masculina dependendo de quem é o abusador, ou repúdio por alguém que a criança a princípio deveria gostar.

Verdades x Mentiras

Mentira: O agressor é um psicopata desconhecido.

Verdade: 85% a 90% dos agressores são pessoas conhecidas.

Mentira: O abuso sexual de crianças ou adolescentes é raro.

Verdade: Abusos são muito mais frequentes do se imagina.

Mentira: As crianças inventam que estão sendo abusadas.

Verdade: 92% das vítimas falam a verdade. Só 8% inventam. E maior parte das histórias inventadas são induzidas por adultos.

Mentira: Vítima de abuso vai crescer e esquecer do que aconteceu.

Verdade: Abusos mexem com a personalidade da vítima. O tempo não apaga.

Mentira: Quem sofreu abuso não precisa de ajuda terapêutica.

Verdade: Crianças e adolescentes que sofreram abuso sexual devem receber ajuda profissional.

Mentira: Quando a vítima não esboça resistência não é abuso.

Verdade: A reação da vítima depende do método usado pelo agressor. A vítima nunca deve ser culpabilizada pelo abuso.

Mentira: Só é abuso quando ocorre penetração.

Verdade: Passar a mão, acariciar as partes íntimas, beijar, se esfregartambém é abuso.

Mentira: Abuso sexual de criança e adolescente só acontece onde há muita pobreza.

Verdade: Abuso sexual faz vítimas não faz distinção entre ricos e pobres. O abuso está presente em todas as classes sociais.

Mentira: Só meninas são vítimas de abusos sexuais.

Verdade: Meninas e meninos são alvo dos abusadores.

Mentira: A vítima provoca os atos de abuso.

Verdade: A vítima nunca é culpada. Não importa qual seja o método, sempre existirá uma desigualdade de poder onde o predador leva vantagem sobre a vítima.

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