GRAMADO – Amor ao próximo, esperança e gratidão. Esses sentimentos definem o que enfrentou a enfermeira Lilian Alves, que descobriu ser portadora de Leucemia mieloide aguda e precisou de um transplante de medula óssea para sobreviver. Para Cris dos Santos, descobrir que havia compatibilidade para poder salvar a vida de uma pessoa desconhecida foi motivo de profunda comoção.
Lilian reside no interior de São Paulo e Cris no litoral gaúcho e elas escolherem Gramado para então se encontrarem e se conhecerem. Quando o Registro Nacional de Doadores Voluntários de Medula Óssea (Redome) autorizou o encontro, as famílias de ambas logo trataram de providenciar esse encontro, que ocorreu no início deste mês, junto a Fonte do Amor Eterno, ao lado da Igreja Matriz São Pedro. Por determinação do Redome, é preciso respeitar um prazo de 18 meses de sigilo obrigatório, sem o receptor saber quem é o doador, e vice versa.

A história começa em Fernandópolis, interior de São Paulo, cidade natal da enfermeira Lilian. Ela foi diagnosticada com Leucemia mieloide aguda no dia 5 de dezembro de 2019, após sentir fortes dores no corpo e cansaço excessivo. Os sintomas fizeram com que ela buscasse ajuda médica na Santa Casa de Votuporanga, local onde trabalhava. De lá, foi logo transferida para o Hospital de Base, em São José do Rio Preto, para exames confirmatórios e para iniciar o tratamento.
“Lá eu passei 38 dias internada e, quando tive alta, recebi a informação que eu precisaria passar por um transplante de medula óssea, porque a Leucemia que eu tinha era de médio para alto risco de retorno. Eu tenho uma irmã e ela foi 50% compatível e não poderia ser minha doadora por conta das três gestações que teve, o que poderia acabar produzindo muitos anticorpos contra o meu organismo”, relatou ela.
Antes do diagnóstico ser confirmado, a enfermeira passou pelas mãos de diversos profissionais que tratavam somente as queixas pontuais de dores, mas não solicitavam ou encaminhavam para realização de exames mais complexos. Um simples hemograma acabou mostrando o que Lilian realmente estava enfrentando.
A batalha contra a doença começou com inúmeras sessões de quimioterapia e, imediatamente, também iniciou a busca por um doador 100% compatível junto ao Redome.
A mãe de Lilian, Matilde Alves, que é técnica em enfermagem, acompanhou a filha durante toda a internação enquanto Sérgio, Walter e Flávia, (marido, pai e irmã de Lilian, respectivamente), passaram a morar juntos e cuidar da casa onde a enfermeira residia. A filha do casal, Alice, ficou sem ver a mãe durante todo o período.
O TRANSPLANTE – Em julho de 2020, sete meses depois de descobrir que estava com a doença, o Redomefez contato com a família informando que Lilian receberia a medula óssea de um doador 100% compatível. “A notícia que recebemos foi objetiva: havia um doador compatível e que nós precisávamos fazer mais exames específicos para, realmente, saber se era compatível e se a pessoa aceitaria todo o trâmite da doação. Passaram alguns dias, era final de julho, e já recebi a notícia de que eu seria internada para receber o transplante no começo de agosto”, relembra Lilian.

Em meio a um dos piores momentos da pandemia da Covid-19, Lilian estava recebendo uma segunda chance para viver. A doadora era a gaúcha Cris dos Santos. Moradora de Tramandaí, no litoral do Estado, a empresária casada com Cristiano Oliveira e mãe da pequena Júlia, de seis anos, era a candidata que se encaixava perfeitamente.
“Todos os hospitais estavam recebendo muitos pacientes com Covid. Eu estava com medo, não só por mim, mas por ela. A Cris estava arriscando a vida dela e a da sua família. Nós ficamos muito preocupados, crendo que Deus iria mover o coração dela. Eu tinha certeza que ela havia sido escolhida por Ele para salvar a minha vida”, contou Lilian, com lágrimas nos olhos.
Cris fez a doação no dia 20 de julho de 2020. O transplante ocorreu no dia 4 de agosto e a medula respondeu ao corpo de Lilian oito dias depois, em 12 de agosto. Após o procedimento, a enfermeira, que virou paciente, contraiu Covid-19 e Dengue, mas como a mãe de Lilian, Matilde Alves, costuma dizer: “a medula é forte!”.
“O Coronavírus não fez com que eu ficasse muito mal, mas a Dengue me deixou hospitalizada, tomei soro e fiquei bem mal. Minha preocupação com a Covid é atual, meu pulmão não funciona 100%, mas superei bem”, pontuou. Lilian ainda não está liberada para trabalhar e faz acompanhamento médico para se recuperar totalmente.
Pedido de ajuda para uma criança incentivou doação
A inscrição de Cris como voluntária para a doação ocorreu há mais de 11 anos, no Hospital de Clínicas, quando ela ainda residia em Porto Alegre. “Nunca havíamos ouvido falar deste tipo de doação, pois não é muito divulgado. Estávamos assistindo TV e uma senhora estava pedindo ajuda para uma criançaque precisava de doação. Nós nos comovemos e fomos ao Clínicas. Eu, meu esposo e meu sobrinho fomos lá fazer o cadastro. Não sabíamos nada e falamos que queríamos ser doadores para ajudar o menino e eles explicaram para nós como realmente funcionava. Explicaram que tinha que se cadastrar, tinha que ser compatível, além de outras coisas”, descreveu.
Dez anos após o cadastro, a empresária, que agora reside em Tramandaí, recebeu uma ligação do Redome informando que ela era compatível para a doação de medula óssea. “Eles me ligaram, me explicaram, me deram todo o suporte. Não me obrigaram a nada. Expliquei para eles que não estava mais em Porto Alegre e eles disseram que não havia problema. Me explicaram que eu teria que ir até São José do Rio Preto para fazer a doação”, sublinhou ela.
“Ela disse: eu vou, vai dar tudo certo e eu vou fazer. Foi, correu atrás para fazer os exames, ligou para todo mundo. Eles (Redome) deram um jeito de arrumar tudo, ligaram pro hospital, arrumaram pessoas para fazer a coleta, fazer os exames. Passou uns dias e deu tudo certo nos exames, a moça nos ligou, disse que as passagens já estavam compradas, que o quarto de hotel já estava alugado. A logística, custos de alimentação e transporte foi tudo com eles”, contou o marido Cristiano.
A estadia do casal e da filha no interior de São Paulo durou 30 dias. Após 25 dias de exames, para averiguar o estado de saúde da doadora e aplicações para a multiplicação de células-tronco, no 26º dia ocorreu a doação.
Cris fez a doação pelo método nomeado de coleta por aférese. O procedimento é feito com uma máquina que recolhe, da veia, o sangue, dividindo as células tronco de outros componentes não necessários, que são devolvidos ao doador. “As maiores curiosidades que eu tinha, após fazer a doação, eram: será que realmente foi feita a doação? Será que essa pessoa está viva?”, comentou Cris.
Lilian e Cris escolheram Gramado para se conhecerem

1.364 quilômetros. Essa é a distância que Lilian, Sérgio, Alice, Matilde e Walter percorreram para o tão sonhado e aguardado encontro com Cris, Cristiano e Júlia, que saíram de Tramandaí. Os 18 meses obrigatórios de sigilo acabaram no início de fevereiro e as duas famílias ficaram mais de um mês em contato por telefone até o encontro em Gramado, que ocorreu no início de março.
“Eu estava contando os dias. Eu sou chata quando eu quero uma coisa. Comecei a mandar mensagem, e-mail e nada do Redome me responder. Mandava umas dez mensagens por dia. Até que eles me responderam e disseram que iam providenciar. A partir daí foi rápido. Depois que responderam, mandaram um papel para assinar, para eu atestar que eu queria e iriam ver se a receptora também queria. No dia que eu assinei o papel me mandaram o e-mail dela e o número de telefone. Fiquei sem saber o que fazer, o Cristiano disse para ligar e eu respondi: Eu? Tá bom que eu vou ligar. Daí ele pegou o telefone e mandou um oi. As palavras não saíam da minha boca, era muita emoção de ver que, realmente, tinha uma pessoa ali que eu pude ajudar. Foi uma coisa muito boa”, sublinhou Cris.
Cercado de muita emoção, ansiedade e gratidão, o encontro entre Lilian e Cris foi acompanhado pela reportagem do JI. E este momento especial não podia ser em um cenário mais representativo: a Fonte do Amor Eterno, no coração de Gramado, ao lado da Igreja Matriz São Pedro. O responsável por organizar o encontro foi o guia turístico Jonatan Bastos, contratado pela família de Lilian como Uber quando chegaram na cidade. Ele escutou a história, se comoveu e voluntariou-se para armar o encontro em uma das cidades mais visitadas do país.
“Eu sempre tive o sonho de conhecer Gramado e falei isso pra Cris. Durante o tempo internada deu muito tempo pra sonhar, para ter a liberdade, estar junto de quem a gente ama, com a nossa família. Pesquisando os lugares, conversando com a Cris e o Cristiano, vi a Fonte do Amor Eterno, a foto dos cadeados e confessei que queria muito vir para cá (…) Ela é um pedaço de mim agora, eu amo a vida dela, sou muito grata à Deus por ela. O ato foi muito simbólico, quero que Deus leve sempre no coração da Cris a minha gratidão por ter salvado a minha vida e por me dar a oportunidade de estarmos aqui, vivendo esse dia feliz. Quero ter ela para o resto da minha vida. A cidade é linda, escolhemos muito bem”, completou Lilian.
Leucemia mieloide aguda
Tipo de câncer do sangue e da medula óssea em que há um excesso de glóbulos brancos. A leucemia mieloide aguda é o tipo mais comum e mais agressivo da doença. Conforme a medula óssea é atacada pelas células doentes, a pessoa costuma ter alterações no corpo que evoluem com bastante velocidade. Por isso, o quanto antes for diagnosticada a doença, maiores as chances de cura.
Como doar?
O site do REDOME (http://redome.inca.gov.br/doador/como-se-tornar-um-doador/) explica as etapas para quem quiser se tornar doador. Para a doação é necessário buscar um Hemocentro onde o doador será orientado, poderá esclarecer dúvidas sobre a doação e assinará um termo de consentimento livre e esclarecido, além de preencher um formulário com informações pessoais. O voluntário precisa portar documento de identidade. O Rio Grande do Sul possui 11 hospitais/hemocentros cadastrados junto ao REDOME. Aqui na região, o ponto mais próximo é o Hemocentro Regional de Caxias do Sul.











