CANELA – “Foi feita uma sangria no Turismo”. A frase do delegado Heliomar Franco, chefe da 2ª Delegacia de Polícia Regional,resume a 10ª fase da Operação Caritas, que prendeu preventivamente o ex-secretário Municipal de Turismo, Ângelo Sanches, o ex-diretor artístico do Sonho de Natal, Elias da Rosa, e o proprietário da Primeira Casa Produções, José Fernando Marques, além de refletir no afastamento de outros três servidores da pasta. Foram cumpridos 218 medidas judiciais na manhã de quarta-feira, (14).
De acordo com o delegado Vladimir Medeiros, responsável pelas investigações e titular da Delegacia de Polícia de Canela, “a organização criminosa realizava contratações de empresas por inexigibilidade de licitações, as quais, após receberem os valores pagos pela Prefeitura em contratos, repassavam parte da quantia a agentes e servidores públicos da própria pasta”.
As investigações acerca da Secretaria de Turismo ocorrem há 11 meses ininterruptos e atingem 27 pessoas físicas e 21 jurídicas, são servidores públicos, empresas e empresários do ramo de turismo e eventos. 22 pessoas (físicas e jurídicas) estão proibidas de contratar com o poder público pelo período de um ano. As ilicitudes em contratos e pagamentos podem chegar a R$ 2,8 milhões.
Pagamentos eram efetuados nas contas bancárias dos presos, que utilizavam os montantes para a compra de bens. O esquema, segundo a PC, se caracterizava pelo patrocínio de reformas em prédios e eventos do município por parte de empresários. Os valores eram depositados em contas particulares das empresas de sócios ocultos dos servidores, de modo a dificultar a fiscalização e controle sobre.
As prisões e afastamentos
A 10ª fase da Caritas contou com atuação de 90 policiais, cumpriu 29 mandados de busca e apreensão, mais de uma centena de quebras de sigilo, apreensão de cinco veículos (avaliados em R$ 500 mil), bloqueios de 10 contas bancárias, sequestro de dois imóveis, proibição de contratação com o poder público para 22 pessoas (jurídicas e físicas) e outras medidas.
Ângelo e José Fernandoestavam em casa quando foram presos pouco antes das 8h. Já Elias da Rosa foi flagrado pela reportagem do Jornal Integração chegando à Delegacia de Polícia para se apresentar, por volta das 9h30, quando recebeu voz de prisão. Ele estava em Porto Alegre e retornou à cidade assim que soube da operação.
Foram afastados dos cargos públicos, por 120 dias, o diretor de Marketing e Eventos, Eduardo Idalino, a assessora Bianca Pletsch de Moraes e o diretor de Cultura, Carlos Eduardo dos Santos. Eles estavam lotados na Secretaria de Turismo e tiveram os salários suspensos.
A atual secretária de Turismo, Carla Reis, que ocupa o cargo desde a saída de Sanches, afastado na 8ª fase da Caritas, em novembro de 2021, estava na sede administrativa da pasta quando a PC apareceu. Ela disse ao Integração que esperava a ação dos policiais, pois o delegado havia anunciado anteriormente que a Secretaria também é alvo da Caritas,só não sabia quando ocorreria. O delegado Medeiros não revelou se o nome da Carla está na lista de investigados.
Investigação comprovou esquema de corrupção
O inquérito apresentado pela PC para a 1ª Vara Judicial de Canela mostra diversas conversas direcionadas por Sanches aos ‘comparsas’ combinando esquemas de favorecimento, incluindo o ex-secretário de Obras, Luiz Cláudio da Silva, o Ratinho, o produtor de eventos Alexandre Rangel e os empresários Elias da Rosa e José Marques, presos na quarta (14), além de uma longa lista de nomes.
A PC destacou que Sanches, mesmo afastado pela Justiça, continuou com as atividades no Executivo, inclusive representando Canela em eventos no certame turístico, acompanhado da ex-secretária adjunta Camila Pavanatti. Segundo a investigação, que compreende os últimos cinco anos, o ex-secretário recebeu em diárias do Município, um total de R$ 220 mil.
Camila, inclusive, é proprietária de uma pousada em que clientes eram encaminhados por Sanches, como chefe do Turismo. Muitas vezes as diárias eram pagas pela Prefeitura, conforme a PC que constatou que, na realidade, a pousada pertence ao ex-agente público.
Consta no inquérito policial uma sala reservada como contrapartida, na construção da Estação Campos de Canella, pela Nova Alternativa,a ser utilizada como sede da Secretaria de Turismo, que acabou não sendo usada para o fim e foi comercializada.
Por outro lado o prédio que está sendo usado pela Secretaria, de propriedade da MITRA DA DIOCESE DE NOVO HAMBURGO, foi superfaturado.Casualmente, a Mitra é também proprietária do edifício onde está instalada a pousada Catedral, que antes era a Casa Paroquial da Igreja Católica, atualmente gerida pelo grupo investigado.
Outro caso de superfaturamento foi localizado no Sonho de Natal. Um contrato firmado com uma agência, que remete ao ano de 2017, contratada para o projeto Catedral de Luzes, com o intuito de produzir áudios para a apresentação. A investigação aponta que o serviço subtraiu R$ 61.950 mil dos cofres públicos, quando o valor de mercado para a atividade ficava na média de R$ 5 mil.
Chamou a atenção da Polícia que o jornalista dono da voz nos áudios teria recebido esse valor e “devolvido” R$ 50 mil para a conta-corrente de Ângelo Sanches.
Além de fomentar a prática de corrupção por meio de empresas registradas nos nomes de familiares, Ângelo pressionava empresários a destinar valores para a reforma de prédios públicos, por exemplo, o Teatrão. A prática tinha o objetivo, segundo a Polícia, de canalizar os valores para fins próprios, já que nunca eram feitos diretamente ao Executivo, mas, sim a empresas ligadas ao grupo investigado.
A investigação aponta que as empresas que doaram os valores e, inclusive, são patrocinadoras de eventos do município, fizeram os depósitos de ‘boa fé’.
Ele utilizava os valores, conforme a investigação, para adquirir bens de luxo, como imóveis e carros. Os pagamentos, por vezes, eram feitos por meio das empresas ligadas a um dos presos em busca de mascarar a origem do dinheiro.
“Achei a solução para você ganhar os três mil”
O trecho foi retirado de uma das conversas entre o ex-secretário de Obras, Ratinho, e Sanches, conforme a PC, em uma nítida proposta criminosa do ex-gestor do Turismo com o intuito de desviar dinheiro do Município.
Na ocasião, Sanches se refere a confecção de um contrato que executaria a construção de um caminho de corações na Praça João Corrêa, na semana do Dia dos Namorados, em 2021, e propõe que, mesmo sem necessidade, uma empresafosse contratada, no valor de R$ 3 mil, para fazer o serviço. Ratinho então utilizaria o maquinário e funcionários públicos para fazer o trabalho em busca de desviar o dinheiro do orçamento feito pela empresa contratada, que receberia o dinheiro sem fazer o trabalho de José Fernando Marques, enquanto o dinheiro pago pelo erário seria direcionado ao secretário de Obras.
Após a proposta, Ratinho concorda e o esquema é efetivado. A PC atestou que a Prefeitura teria condições próprias de executar o serviço, assim como fez, e a ação dos agentes públicos tinha o exclusivo objetivo de remanejar o dinheiro público aos próprios bolsos.
O delegado Medeiros informou que a PC tem até a próxima sexta-feira (23), para entregar o inquérito finalizado à Justiça. Ele destacou que os elementos que ainda não foram investigados e documentos recolhidos na 10ª fase serão minuciosamente averiguados, em busca de atestar se há mais indícios incriminatórios ou pessoas responsáveis por irregularidades.
Os espetáculos do Sonho de Natal seguem normalmente até o dia 15 de janeiro, com exceção da Fábrica de Sonhos, que era dirigida por Elias da Rosa.
O que dizem as defesas
A defesa de Ângelo, feita pelo advogado Ricardo Cantergi, sublinha que o acusado é inocente e isto será provado durante a instrução processual, e que acredita na Justiça.
Com a realização da Audiência de Custódia, realizada na quinta (15), o Ministério Público terá 24h para se manifestar, assim o Juiz Vancarlo Anacleto deverá decidir como proceder com a prisão.
O advogado Jair da Veiga, que defende Elias da Rosa e José Fernando Marques não retornou o contato feito pela reportagem.