REGIÃO – A grave crise econômica que se instalou repentinamente na região traz consigo um elevado grau de preocupação. Por ser uma crise com origem diversa de outros momentos, desta vez é causada pela pandemia do novo coronavírus (Covid-19), pinta-se um cenário de insegurança no setor turístico e que já está gerando um impacto social incalculável.
A matriz econômica da região está ligada ao turismo, sobretudo em Gramado, cuja dependência do setor supera os 90%. Para avaliar os impactos a pandemia do vírus sobre o setor de turismo e eventos na Serra Gaúcha, a reportagem conversou com a empresária Marta Rossi, que também sugeriu medidas para a retomada no pós-crise.
Marta Rossi é uma das executivas mais respeitadas do setor de turismo e eventos na América do Sul. É uma das fundadoras da Rossi &Zorzanello Eventos e Empreendimentos e CEO de grandes cases como a Feira Internacional de Turismo de Gramado (Festuris) e Chocofest. Com dezenas de prêmios e indicações, foi recentemente apontada em publicação nacional como uma das oito mais importantes personalidades que fizeram história e continuam contribuindo para o mercado no Brasil nos últimos 30 anos. Também recebeu, em 2016, o título de Cidadã Emérita de Gramado. Confira a entrevista:
Diante desta paralisação global, quais os principais impactos da pandemia sobre o turismo da Serra Gaúcha?
Fomos atingidos em nossa base, já que o turismo representa 90% de nossa atividade econômica. Não conseguiremos reverter as perdas a curto prazo, já que o país está parado e o mundo doente. A gravidade deste impacto na economia da região resultará em um impacto social cuja dimensão só conseguiremos medir mais adiante. Somos uma marca forte, mas este fator por si só não irá reverter, pois estamos lutando com uma questão chamada vida e morte do ser humano e o pânico está instalado na sociedade. Estamos em cima do imprevisível, não sabemos nada do futuro e não conseguimos medir o presente ainda. Não existe uma métrica para o que está acontecendo. Em outras crises sabíamos que o que estava faltando no mercado era dinheiro. Agora o problema base é a saúde, que compromete a questão financeira. Com isso, o impacto social será inevitável. Por outro lado, sabemos que o turismo é resiliente. Acreditamos que as viagens internas terão um crescimento, mas quando elas vão começar não sabemos. Estamos em um período de incertezas. O impacto é muito grande e não acredito que nossa comunidade tenha reservas tão grandes para manter isso por muito tempo.
Quais as perspectivas para o futuro e o que deve ser feito para modificar este cenário adverso?
Penso que em um primeiro momento é despertar a consciência comunitária de que o vírus alcançará Gramado sim, se não tomarmos cuidados básicos, como usar máscaras, luvas e álcool. Se nós, enquanto Serra Gaúcha, adotarmos estes procedimentos para nos receber, estaremos dizendo para os nossos visitantes: ‘Podem vir à Serra, porque aqui nós cuidamos de você.’ ‘Nos protegemos para proteger nossos turistas’. É preciso passar esta mensagem de segurança. Não acredito que haja um comprometimento de marca. Também penso que devemos exigir certo controle de quem entra na cidade. Nós precisamos do turista, não abrimos mão dele, mas se deixarmos a cidade ser infectada podemos comprometer a marca. Precisamos nos unir, montar uma excelente campanha, contemplando detalhes relacionados às coisas boas de nossa região. Precisamos vender um pouco de esperança, um pouco de alegria.
Acredita na normalização do fluxo turístico e na recuperação da economia em quanto tempo? Este é um ano perdido?
Não acredito que seja um ano perdido, mas será um ano difícil. No entanto, se houver boa vontade e todas as frentes cederem um pouco, acredito que a partir de agosto começaremos a retomada. A economia vai se recuperar, e se até o final do ano conseguirmos pagar nossas contas estaremos bem, o setor como um todo estará bem. A partir de 2021 começa a ser um novo momento.
De que forma iniciativa privada e poder público devem agir para o enfrentamento desta crise?
Gramado precisa se juntar e fortalecer os eventos que estão por ser realizados neste ano, pois eles serão o primeiro chamamento para estimular o público a retornar. Mas, para isso, o poder público precisa sentar com a iniciativa privada e corajosamente lançar o calendário oficial do segundo semestre. É um momento que Gramado tem que ser a prioridade, não podemos ter lados. Todos precisamos nos abraçar para fazer a roda da economia voltar a girar.
Eventos como Festuris, Natal Luz, Gramado Summit, Chocofest, Festival de Cinema e outros sempre foram importantes indutores do fluxo turístico em Gramado e região. Neste momento, eles podem ser também os responsáveis pela recuperação econômica?
Serão com certeza, porque são eles que irão motivar as pessoas a retornarem a Gramado. Mas para que eles aconteçam, vamos necessitar da validação do poder público e do apoio de todas as frentes do Município. Não acredito sinceramente em grandes multidões para este ano, mas acredito que haja uma participação sustentável em todos os eventos. Nós, enquanto Gramado e Canela, estamos prontos para nos colocar no mercado. Não precisamos criar fatos novos, porque temos um calendário de eventos. Temos que ter coragem, enquanto iniciativa privada e poder público, de divulgar esse calendário de eventos e dizer a partir de quando vamos retornar ao palco. Porém, empresas como a nossa perderam a capacidade de investimento. Então, o governo municipal vai precisar abraçar as empresas para que uma Gramado Summit e um Festuris saiam com um mesmo padrão de qualidade. Somos nós os primeiros a trazerem os turistas. O Natal Luz vai trazer no final do ano, mas e até lá? Enquanto realizadores, precisamos que o Município abrace nossos eventos e nos dê gás para continuar e fazer coisas grandiosas para recuperar nossa autoestima e a confiança do turista em vir.
O turismo e os eventos da região precisarão se reinventar após esta paralisação? Você já conviveu com outros momentos como este durante a carreira?
Vamos ter que nos adaptar ao novo comportamento do consumidor neste período e no pós-coronavírus. Depois disso sim, readaptar nossos eventos. Mas essa readaptação será a partir da observação do comportamento do mercado consumidor dos destinos. Grandes eventos como Chocofest e Natal Luz, que reúnem massas, não vejo que terão a mesma resposta hoje. Certamente vamos ter que criar novas pegadas, se reinventar, até para prevenir futuras doenças. Passamos por algumas crises, mas todas econômicas, portanto mais fáceis de serem administradas. Agora estamos com uma crise provocada pela saúde, o que gera insegurança, medo e retração.
De que forma a Rossi & Zorzanello está se preparando para o retorno das atividades e a realização de seus eventos após a pandemia?
Estamos conscientes de que levamos uma facada no peito, mas não chegou no coração. E por não ter chegado ao coração, não nos tirou a energia, a determinação e a vontade de superar. Mas sim, vamos ter que redesenhar a empresa, como todo mundo está fazendo. Vamos ter que colocar nossa criatividade acima de tudo e vamos precisar criar novos produtos para superar o problema a curto prazo. Em médio e longo prazo sabemos que vamos dar a volta, mas precisamos encontrar uma solução rápida. Não podemos deixar de realizar eventos como Festuris e Gramado Summit. Mais do que nunca, precisamos de união. Não apenas da empresa, mas de um olhar da comunidade para os eventos que produzimos e o que construímos para Gramado ao longo destes anos. Nós não queremos parar, mas precisamos ser ouvidos e compreendidos. Acreditamos também que se conseguirmos vencer esses primeiros meses, sairemos muito fortalecidos enquanto Rossi &Zorzanello se ganharmos esse crédito do município. Poderemos contribuir ainda mais para a Região das Hortênsias e Rio Grande do Sul.