Coluna publicada no dia 01/08.
Por Phillip Handow Krauspenhar – Advogado tributarista
Uma decisão recente do CARF acendeu o alerta para clínicas médicas que remuneram seus sócios com base na produção individual, mas registram esses valores como se fossem lucros. No caso analisado, a conta ficou salgada, com R$ 14,4 milhões em contribuições previdenciárias e multa. O conselho entendeu que, mesmo com cláusula contratual chamando de “lucro”, os pagamentos tinham natureza de salário e, por isso, geram encargos.
A prática é conhecida. O médico que indica o paciente recebe um percentual, o que realiza o atendimento recebe outro, e no fim do mês cada um leva sua parte com base na produção. A clínica não paga pró-labore, não recolhe INSS e contabiliza tudo como se fosse lucro. O modelo até pode parecer vantajoso, mas quando a Receita olha de perto, a estrutura desmorona.
Segundo o CARF, não importa o que diz o contrato se, na prática, o pagamento é habitual e proporcional ao serviço. Quando o dinheiro entra como contrapartida direta pelo trabalho, o nome que se dá a ele é o que menos importa. O que vale é a essência, e ali havia, sim, uma remuneração pelo serviço médico prestado.
Muitas clínicas adotam esse modelo não por má-fé, mas porque o sistema tributário é sufocante. Com encargos altos, obrigações acessórias complexas e insegurança nas interpretações, os empresários acabam optando por formas de reduzir o custo. Só que o que começa como planejamento vira risco real se não for bem estruturado.
Esse caso mostra que é hora de rever contratos, conversar com a contabilidade e avaliar se o modelo adotado se sustenta juridicamente. A Receita e o CARF estão atentos, e a lógica de “quanto mais produz, mais recebe” está sendo lida como típica relação de trabalho. Se for assim, não adianta rotular como lucro.
O contribuinte não pode mais confiar apenas na forma do contrato. A substância das operações é o que está sendo analisado. Quem atua com serviços de saúde, especialmente em sociedades com múltiplos médicos, precisa redobrar os cuidados. O modelo é viável, mas precisa ser coerente com a legislação.
Mais do que nunca, é necessário buscar equilíbrio entre economia tributária e segurança jurídica. Evitar encargos é legítimo, mas a estratégia deve estar amparada na lei e na realidade dos fatos. Caso contrário, o que parecia uma vantagem vira um passivo milionário e desnecessário.