Coluna publicada no dia 04/09.
Antes de tudo, já aviso: não vou gastar linha aqui falando da operação que retirou o comércio irregular da Catedral. Esse assunto já está bem explicado na matéria especial que estamos publicando nesta edição. O que faço questão de registrar é que Adriel Buss e Márcio Sauer Dias cumpriram essa missão. Foi um compromisso assumido e entregue. Mas, fora isso, não vou me alongar. Aqui, quero puxar para outras questões que apareceram na entrevista com os dois e que mexem com o dia a dia de Canela.
O peso que vai pra casa
Uma coisa que me chamou atenção foi a parte mais humana da entrevista. A gente costuma olhar para cargos públicos e imaginar só números, planos, decretos, ou seja, a parte fria. Mas por trás de tudo isso tem pessoas. E, nesse caso, pessoas que carregam pra dentro de casa um peso que não deveria ultrapassar a porta. O Buss contou que já foram quase dez boletins de ocorrência só neste ano por conta de ameaças e perseguições. E descreveu uma cena que preocupa: estar com a família em um domingo qualquer, curtindo um evento, e perceber que há pessoas te seguindo, gente tirando foto escondida, o desconforto de não saber o que pode acontecer.
O secretário também trouxe uma questão. Ele, que veio da Brigada Militar e está acostumado com situações de risco, disse claramente que a maior dor não é enfrentar pressão política ou contestação de projeto, mas sim não poder mais passear tranquilamente com a família no centro da cidade. Isso pesa. Isso corrói. Isso mostra como certas funções acabam roubando a vida privada de quem assume a responsabilidade. Para Márcio também não é diferente. Contou que sair pra almoçar tranquilo com a esposa não é mais uma opção, pelo menos não no Centro de Canela.
E aí entra a reflexão: até que ponto estamos preparados para exigir tanto de quem está no serviço público, sem enxergar o lado humano?
O olho que não pisca
Outro ponto que apareceu forte na conversa foi o monitoramento. Hoje Canela tem uma central que funciona 24 horas, produzindo imagens e provas que acabam sendo usadas em processos administrativos e até judiciais. Parece coisa de cidade grande, mas está aqui, operando em tempo real. Eu mesmo já tive a oportunidade de conhecer o sistema e confesso: é impressionante.
O detalhe é que isso muda o jogo. Não se trata mais apenas de multa aplicada na hora, com papel e caneta. Agora tem registro em vídeo, relatório, cruzamento de dados, encaminhamento para Ministério Público e Justiça. Não é perseguição, como alguns gostam de acusar. É tecnologia aplicada para que a lei seja cumprida. E quando a lei passa a ser cumprida de forma tão visível, a reação é imediata: uns se sentem finalmente protegidos, outros se incomodam porque perdem espaço na irregularidade.
Equipes e pequenas coisas
Na entrevista, tanto Buss quanto Márcio bateram numa tecla que faz sentido: o Executivo não é sobre grandes projetos o tempo todo, mas sobre pequenas ações que mostram cuidado com a cidade. Eles citaram exemplos simples, como a limpeza de espaços, os vasos recolocados. Pode parecer detalhe, mas detalhe também faz parte da engrenagem.
Eu compartilho dessa visão. Quem anda pelas ruas de Canela percebe quando há atenção ao básico. Quando a calçada está lavada, quando a rua amanhece varrida, quando um monumento esquecido volta a ter manutenção. Isso transmite algo que vai além da estética: transmite a sensação de que a cidade está sendo cuidada.
Planejar para além do mandato
Um dos trechos mais sinceros da fala de Adriel Buss foi quando ele criticou a lógica de planejar Canela apenas em ciclos de quatro anos. “Sempre pensaram a cidade para o mandato, nunca para 20 ou 30 anos”, ele disse. E tem razão. Quem acompanha a evolução da região vê que Canela cresceu rápido, mas nem sempre de forma ordenada. Há espaço para expansão em várias áreas. Esse crescimento vai acontecer, querendo ou não. A questão é: como ele será conduzido?
Planejamento é uma palavra que parece fria, mas que no fundo significa pensar no futuro de quem vai viver aqui. Significa que o trânsito que hoje já nos incomoda pode ficar ainda pior se nada for feito. Significa que o comércio local pode sofrer se decisões forem tomadas sem olhar para a realidade econômica. Significa que cada rua estreita que temos vai precisar ser revista, e não dá pra empurrar isso com a barriga. Mas, o governo está olhando pra isso.
O trânsito que engole a cidade
E aí entramos no tema que sempre dá dor de cabeça: mobilidade urbana. O plano de mobilidade está sendo reavaliado e vai trazer mudanças que não vão agradar todo mundo. Proibir estacionamento em alguns pontos, transformar ruas em binários, rever acessos. Tudo isto está sendo pensado. Essas medidas mexem com hábitos antigos. Mexem com a rotina do canelense que sempre fez o mesmo trajeto, estacionou no mesmo lugar, entrou e saiu pela mesma rua.
Adriel foi claro: não dá para simplesmente mudar uma rua de mão sem estudo. Isso pode quebrar um comércio, atrapalhar a saída da rodoviária, travar ainda mais os caminhões. Por outro lado, não dá para continuar como está. É um dilema. Mas é um dilema que precisa ser enfrentado.