MARTINA BELOTTO
GRAMADO – Aproveitando o aniversário de 100 anos da chegada do trem ao município, um trabalho inédito de recuperação histórica foi iniciado pela própria comunidade do bairro Várzea Grande. Durante 44 anos, a ferrovia foi elo de extrema importância para as relações econômicas e sociais de Gramado. Entretanto, muito desse legado foi deixado de lado e, hoje, a própria comunidade não tem conhecimento sobre esse período. Idealizado pelo pesquisador e historiador Wanderley Cavalcante, o projeto de resgate busca justamente reverter esse cenário e proporcionar o acesso democrático à memória da cidade.
Desde o ano passado, Wanderley iniciou um levantamento em que percebeu a necessidade de reconstrução da memória ferroviária na história de Gramado. Com suas pesquisas ele constatou que a história corria o risco de se perder. “Infelizmente essa memória passou por um processo de esquecimento muito grave. Entre 1919 e 1963 a ferrovia ditou a vida econômica, política e de costumes dessa cidade. Então queremos dar visibilidade para essa memória”, comenta.
O pesquisador também explica que parte da memória se encontra fragmentada em alguns relatos, que não são difundidos para a comunidade e visitantes. “A prova disso é que nós temos um belíssimo equipamento, que é o Museu do Trem, mas ele recebe uma média de uma ou duas pessoas por dia. Ele fica muito próximo do pórtico de entrada da cidade e não há política pública ou privada para fazer um link entre os dois pontos”, aponta. “É importante que os turistas saiam da cidade sabendo que existiu esse passado ferroviário”, acrescenta.
Wanderley ainda destaca o esquecimento a respeito do rabicho, obra de engenharia ferroviária única na América do Sul. Consistia em um desvio feito a um obstáculo natural, localizado na saída da Várzea Grande. A ultrapassagem do obstáculo somente seria possível com obras de altíssimo custo, como a construção de um túnel, algo que era praticamente impossível para as condições financeiras do empreendimento naquele período. Contornar a montanha, utilizando a força da locomotiva em marcha-ré foi a saída. “É um verdadeiro tesouro em histórias, é mais uma excepcional faceta que precisa ser redescoberta e mostrada ao mundo”, frisa.
Diante disso, com o objetivo de deixar um legado para a atual e para as próximas gerações, surgiu a ideia de um amplo projeto de resgate, envolvendo poder público, comunidade, expedições e muita pesquisa. Para dar vida ao projeto, foi desenvolvido um plano de trabalho formado por três eixos: reconstrução da memória; difusão e acessibilidade didático pedagógica; e mapeamento, recuperação e valorização de sítios históricos e pontos de memória.
Na primeira fase do plano de trabalho em campo, realizada em fevereiro e no início de abril, os voluntários fizeram uma expedição de reconhecimento ao local, além da limpeza e demarcação da parte superior do rabicho, em parceria com a subprefeitura da Várzea Grande. A próxima fase prevê a reconstrução do parador do rabicho, a recuperação da trilha a pé, a implantação de marcos indicativos da história ferroviária, a inclusão do rabicho nos planos de educação patrimonial, além de outras ações.
Paralelamente, ocorreu também a pesquisa histórica, em parceria com o professor Alex Muller (da rede municipal) e do estudante de História Eduardo Weber. Já a pesquisa de campo contou com auxílio de membros da comunidade, como Abel Tomazzi e Anselmo Vetorazzi. A articulação das próximas atividades está avançando junto à Associação de Moradores do bairro. Ainda, informativos sobre a história do trem estão sendo lançados para divulgar o conhecimento. “Quando a gente recupera história, a gente recupera a alma de Gramado”, salienta Wanderley.