Leonardo Santos

CANELA – A reportagem do Jornal Integração esteve novamente na Central de Triagem de Canela, onde trabalha a Cooperativa de Catadores de Materiais Reutilizáveis e Recicláveis da Região das Hortênsias – a COOCAMARH, na manhã desta quinta-feira (24). O local, que antes era visto como depósito de lixo e símbolo de baixo aproveitamento para reciclagem, em torno de 5%, passou por uma transformação profunda nos últimos 18 meses, no bairro Distrito Industrial, após o começo da intervenção pública em 2024.
À frente dessa mudança está Carlos Frozi, secretário de Meio Ambiente. “A realidade era outra”, relembra ele. “Em março de 2024, a cooperativa começou a operar aqui, praticamente com 11 cooperados, que eram todos do CadÚnico, né? Então, que recebiam o Bolsa Família.”
Desde então, a evolução foi expressiva. Hoje são 34 cooperados, mais que o triplo, todos vivendo da separação e comercialização de resíduos recicláveis. “São 34 pessoas que vivem desse resíduo, que para muitos é desprezado, colocado numa calçada de forma inadequada ou na beira de uma estrada.”
Trabalho duro, mas digno
A nova realidade é marcada por um ambiente mais limpo, organizado e com infraestrutura mais adequada para os trabalhadores. A rotina, no entanto, segue exigente. “Eles trabalham desde cedo, com uma situação que não é fácil.”
Ainda assim, a valorização da atividade e o senso de propósito são fatores que contribuíram para a expansão da cooperativa. “A qualidade do resíduo melhorou, a autoestima deles melhorou. A Adriana, que é a coordenadora, está desde o início, e ela disse que várias vezes chegou aqui com vontade de ir pra casa, apavorada.”
Segundo ele, a mudança de cenário atraiu novas pessoas justamente por permitir uma comparação direta entre o que se ganha na cooperativa e o salário-mínimo. “Acho que nenhuma aqui ganha salário-mínimo, todos ganham acima disso. Então é um atrativo.”
Meta de reciclagem: onde estamos?
A meta do município é alcançar 50% de aproveitamento dos resíduos sólidos. Atualmente, está em torno de 36%. Para ele, a separação precisa começar em casa. E é esse o ponto mais difícil: convencer o cidadão comum a compreender o impacto das suas ações. “A separação em casa é a macro, e eles aqui fazem o pente fino. E nós podemos gerar mais emprego, a verdade é que isso aqui pode gerar mais de 40 empregos, se aumentar a qualidade do resíduo.”
A melhora, ele afirma, já é notável em comparação com o que se via no início de 2024. Mas ainda há muita perda por erros simples. “A gente passa na rua, vê os cidadãos colocando o dia errado, principalmente na segunda-feira. Eu chego a sofrer quando eu passo nas ruas e vejo o seletivo colocado na segunda sendo dia de orgânico.”
Escolas e educação: a base da mudança
Entre as ações estratégicas da Secretaria de Meio Ambiente, o trabalho nas escolas é um dos pilares. Em 2024, mais de 3 mil estudantes passaram pela Central. “Muito trabalho nas escolas. No ano passado nós atendemos mais de 3 mil alunos aqui, sensibilizando professores, sensibilizando as crianças.”
Segundo Frozi, o efeito nas famílias é direto: “A professora acabou fazendo uma gincana para as escolas levar o lixo seletivo, para as crianças ir tomando cada dia mais a consciência.”
O vidro e a sobrecarga na alta temporada
Julho é um mês paradoxal para Canela. Enquanto o turismo aquece a economia, ele também gera uma explosão no volume de lixo. “É o melhor mês para o turismo, mas é o pior mês em relação ao lixo. Para a gestão, sim, para esse modelo de coleta que nós temos, ele não é bom.”
O vidro, em especial, é um desafio. A cooperativa chegou a vender 13 toneladas por mês, mas, com a implantação de pontos de coleta em restaurantes e condomínios, esse número subiu para 26. “Se eles vendiam 13 e chegaram a 26, são 13 toneladas que iam para o aterro sanitário a mais.”
Por outro lado, o manuseio incorreto continua gerando prejuízos. “O que eles têm que fazer daí? Se a patrola deles para de funcionar, eles têm que tirar do dinheiro que se autossustenta da cooperativa e contratar outra. Um pneu, por exemplo, é 300 reais, média 350 reais.”
O óleo de cozinha como vilão invisível
Outro ponto de alerta é o descarte de óleo usado. Um caso recente, no centro da cidade, envolveu o despejo de 40 litros diretamente na rede pluvial. “Vai para os recursos hídricos, forma uma camada impermeabilizante, porque o óleo fica acima, e aí tu não tem a questão de trocas gasosas, aí tu mata toda a biota.”
Frozi alerta que isso também interfere no tratamento da água. “Quando isso vai ainda para uma estação de tratamento de água, tu dificulta também o processo de tratar água. Então, aumenta teu custo para tratar uma água, para chegar até a torneira.”
Segundo ele, Canela conta hoje com mais de 20 pontos de coleta de óleo, incluindo escolas, hospital, postos de saúde e fóruns. Além disso, empresas credenciadas realizam a coleta porta a porta em restaurantes e hotéis.

Pontos de coleta
Escolas
Cônego João Marchesi, Noeli Silva, Santa Terezinha, Diva Pedroso, Bertholdo Oppitz, Sylvio Hoffmann, Eva Bianchi, Rodolfo Schlieper, Ítala Reis, Ernesto Dornelles, Serafina Seibt, Barão do Rio Branco, Severino Travi.
Outros pontos
Secretaria do Meio Ambiente, Fórum (ao lado da Prefeitura), Feira Ecológica, Hospital de Caridade, CRAS Santa Marta, UBS Santa Marta.
A separação absoluta é obrigatória
Desde o início de 2025, uma resolução do Conselho Municipal tornou obrigatória a separação absoluta dos resíduos em Canela. “O município de Canela agora em 2025, acho que no início do ano, o Conselho Municipal aprovou uma resolução que pode agora se tornar uma lei.”
Na prática, os moradores devem separar papel, plástico, vidro, metal e orgânico. A cooperativa é responsável por fazer as separações mais específicas dentro de cada categoria. “Plástico no plástico. Quem vai fazer a separação das diversidades de plástico é aqui a cooperativa, a central de triagem.”
O respeito por quem trabalha com o lixo
Durante a entrevista, Frozi destacou a necessidade de empatia. “Tu não está pensando no ser humano que vai lidar com isso. Simplesmente tu acha que bota num caminhão e está resolvido.”
Fraldas descartadas junto com PET, papel higiênico dentro de sacolas recicláveis, restos de sushi no meio do plástico – esses são exemplos reais enfrentados pela equipe da cooperativa. “Acho que a grande questão para mim é cada cidadão se colocar no lugar do outro. E isso é o respeito, isso é a dignidade, isso é a educação.”
Bota Fora: solução para móveis e eletrônicos
Para evitar o descarte irregular de móveis, a Prefeitura reativou o projeto Bota Fora com um novo formato. “Hoje nós temos a Secretaria de Educação, a Secretaria de Saúde, com os agentes de saúde, a Secretaria do Meio Ambiente e a Secretaria de Obras. Os quatro estão interligados e fizeram o primeiro protótipo de um Bota Fora em nível de educação ambiental.”
A empresa contratada realiza a coleta mediante agendamento. Quem tiver veículo, pode levar os materiais diretamente à Central, preferencialmente nas terças e quintas. “Não pode jogar na beira de estrada. Temos um local adequado. Aqui é o local: sofá, cama, armário, os eletrônicos vêm pra cá também.”
Apelo coletivo: repensar o planeta
O encerramento da entrevista foi marcado por um chamado à consciência. “Esse tema de casa, quando a gente fala em separador absoluto, pra mim hoje é o fator preponderante pra gente mudar a história desse planeta.”
Frozi compartilhou uma prática pessoal como símbolo dessa consciência: “Hoje eu cheguei a um ponto que se eu vou numa lancheria, o guardanapo eu boto no meu bolso e levo pra casa. E vai pra composteira. Então eu não consigo ver hoje um papel toalha ser colocado num caminhão pra ir pra São Leopoldo. E isso pra mim é um crime ambiental na minha consciência.”
Com conhecimento acumulado ao longo de décadas, Frozi se diz “escravo da própria consciência”. E espera que esse senso de responsabilidade se espalhe. “Espero que a comunidade toda pegue essa cachaça que eu estou dizendo aqui. E limite pelo menos uma parte. Pra que a gente possa gerar mais emprego, dar mais dignidade pra essas pessoas e melhorar a qualidade do planeta e da qualidade de vida de todas as pessoas como um todo.”