CANELA – Uma disputa envolvendo o Aeroclube de Canela e a Infraero sobre o uso de um hangar localizado no aeródromo da cidade ganhou ampla repercussão desde o sábado (5), quando a direção do Aeroclube denunciou nas redes sociais e à imprensa local o que classificou como uma “ordem de despejo disfarçada”. Desde então, o caso mobilizou autoridades, políticos e o público em geral, que buscam esclarecimentos.
O embate, que envolve questões jurídicas, históricas e também sentimentais, gira em torno de uma cobrança mensal de cerca de R$ 18 mil feita pela Infraero ao Aeroclube pelo uso de um hangar construído pela própria entidade, além de 10% do faturamento com hangaragem de aeronaves. O Aeroclube considera o valor impagável e acusa a Infraero de atuar de forma autoritária e unilateral.
A história do Aeroclube
Fundado há 75 anos, o Aeroclube de Canela opera no aeródromo local há cerca de 32 anos. “A estrutura que o aeroclube usa foi praticamente toda construída pelo próprio aeroclube, com exceção da casinha ali da sede […], que foi cedida pela prefeitura e ampliada pelo aeroclube”, explica Marcelo Sulzback, presidente da entidade.
Ao longo das décadas, mesmo sem ser gestor formal do aeroporto, o Aeroclube assumiu diversas funções operacionais e de manutenção, sendo apontado como essencial para a continuidade do funcionamento do aeródromo. “Provavelmente, se não tivesse o aeroclube ali […] esse aeroporto poderia ter sido extinto durante os anos”, reforça Marcelo.
O papel do Aeroclube nas enchentes de 2024
Durante as enchentes de maio de 2024, o Aeroclube de Canela teve papel destacado nas ações de socorro à população. “Ajudamos milhares de pessoas, com certeza salvamos muitas vidas com a nossa campanha aqui no aeroporto”, relata o presidente. O local se tornou um centro logístico de distribuição de medicamentos, mantimentos e retirada de turistas isolados.
Em reconhecimento, o Aeroclube foi declarado como entidade de utilidade pública tanto em nível municipal quanto federal. O reconhecimento nacional está previsto no próprio Código Brasileiro de Aeronáutica, que define como função dos aeroclubes fomentar a aviação civil (Art. 84 e 97).
Da Prefeitura ao Estado, do Estado à Infraero
Em 2023, a Prefeitura de Canela transferiu a outorga do aeródromo para o Governo do Estado do Rio Grande do Sul, através do Departamento Aeroportuário (DAP). O Aeroclube, que renovava sua concessão com a prefeitura a cada cinco anos, passou a tratar diretamente com o Estado. Documentações foram enviadas ao DAP, mas as enchentes atrasaram o processo.
“Eles demoraram um pouquinho, não concluíram o nosso processo de concessão […]. Quando vieram as enchentes, eles suspenderam a emissão [de documentos]”, narra Marcelo Sulzback.
A crise no sistema aéreo gaúcho, intensificada pelo fechamento do aeroporto Salgado Filho, levou à mobilização política para colocar Canela como alternativa. “A Infraero entrou em campo alegando que em 45 dias colocariam aeronaves comerciais a operar aqui em Canela […]. Foi uma pressão política”.
A outorga para a Infraero foi oficializada em setembro de 2024. Com isso, a empresa estatal passou a administrar o aeroporto. Desde então, o Aeroclube relata dificuldades para estabelecer contato com representantes.
A polêmica da cobrança e a reação do Aeroclube
“Não conseguimos um canal efetivo de comunicação […], era só via ofício e os ofícios eram pancadas em cima de pancadas”, desabafa Sulzback. Segundo ele, todas as tentativas de reunião com a Infraero foram ignoradas. “Eles simplesmente impuseram o valor de uma área que nem sequer contrataram topografia para medir […], aplicaram o valor de R$ 7,33 por metro quadrado, chegaram no valor de R$ 18 mil, mais 10% do faturamento de hangar”.
O Aeroclube questiona o critério de medição da área, que teria sido feita por imagens de satélite. “Mediram através do Google, e a medida a gente contesta, porque contratamos um topógrafo”.
A Infraero, por sua vez, condicionou a permanência do Aeroclube até a realização de uma licitação do espaço. No entanto, informou posteriormente que a entidade estaria impedida de participar por inadimplência. “Foi praticamente uma ordem de despejo mesmo”, define Marcelo.
Ocorrências recentes e clima de tensão
“Umas duas semanas atrás, acessaram o hangar sem o nosso consentimento […], temos vídeo das câmeras de vigilância”, afirma Sulzback, que levanta suspeitas sobre interesse externo no hangar construído com recursos da comunidade.
O Aeroclube reafirma ser uma entidade civil sem fins lucrativos, com ocupação legítima e autorizada da área, exercendo atividades previstas em lei. Também afirma estar autorizado a prestar serviços auxiliares como hangaragem, conforme o Art. 88, §1º, III do CBA.
Reação pública e mobilização
Com o impasse crescendo, o Aeroclube buscou apoio nas redes sociais e na imprensa. “Gritamos para as mídias […], nossa última tentativa, depois de estar totalmente encurralado”, diz Sulzback. O apelo surtiu efeito: dois dias depois, um diretor da Infraero foi à Canela para iniciar o diálogo presencial.
“Hoje eu já tenho o contato de uma pessoa, um ser humano para conseguir falar, não é um endereço de e-mail que a gente tem que enviar um ofício”, afirma Marcelo. Apesar disso, ainda não houve confirmação de uma reunião.
Nota oficial da Infraero
Em nota enviada à imprensa, a Infraero afirma que desde a publicação da outorga em 4 de setembro de 2024, busca regularizar todas as ocupações do aeroporto, incluindo a do Aeroclube. Destaca ainda os investimentos realizados no local:
“É importante destacar que só em 2024, foram investidos mais de R$ 8 milhões em: Recuperação e reforço da pista de pouso e decolagem; Alargamento da pista de 18 para 30 metros; Instalação de PAPI em ambas as cabeceiras; e sinalização horizontal.”
A nota informa que os demais operadores aéreos do aeroporto (Helisul, Revoar, Tri Aviation) já estão regulares contratualmente e financeiramente, e que o Aeroclube é o único irregular. Acrescenta:
“Por várias vezes tentamos uma solução amigável com o Aeroclube […], estão inadimplentes. Dada a ausência de pagamentos […] mandamos o ofício solicitando a desocupação do espaço […].”
A empresa conclui reafirmando que está aberta ao diálogo e que chegou a propor uma cobrança provisória para permitir futura licitação, mas que não houve formalização.
Situação atual e expectativa
O Aeroclube segue aguardando o agendamento de uma reunião concreta com a Infraero, em busca de uma solução definitiva. A entidade reafirma sua disposição ao diálogo, mas também sua firmeza em não aceitar ser tratada como invasora.
“Estamos sedentos por um diálogo porque até então a gente não teve chance nenhuma de dialogar”, finaliza Sulzback, complementando que um reunião estava marcada para acontecer entre ontem (terça) e hoje (quarta); Até o fechamento desta matéria a reunião não havia acontecido.












