GRAMADO – A Prefeitura anunciou na manhã de hoje, segunda-feira (30), em coletiva de imprensa, a assinatura de dois decretos que suspendem por 180 dias o recebimento e análise de novos projetos para instalação de hotéis e restaurantes na cidade. A medida, segundo o prefeito Nestor Tissot, busca conter o crescimento acelerado e reavaliar o modelo de desenvolvimento urbano em um momento em que o município vive um verdadeiro ‘boom’ imobiliário.
Atualmente, Gramado já conta com 216 meios de hospedagem licenciados, que somam 24.722 leitos. Quando se somam os projetos em análise (33 empreendimentos que adicionariam 1.419 leitos) e os que estão em construção (13 empreendimentos com mais de 20 unidades, somando 9.912 leitos), a cidade caminha para atingir a marca de 36.103 leitos nos próximos anos. Para efeitos comparativos, é praticamente o mesmo número de habitantes de Gramado, hoje estimado em pouco mais de 41 mil pessoas.
“Isso nunca foi visto na história. Precisamos parar e repensar tudo isso. É um número que preocupa. A cidade precisa de um novo fôlego para avaliar o rumo que está tomando”, afirmou o prefeito.
A preocupação com infraestrutura e equilíbrio
Um dos principais argumentos para os decretos foi a preocupação com a infraestrutura urbana, especialmente com o sistema de esgoto, que ainda está longe de ser plenamente atendido, segundo o prefeito. “A água está praticamente resolvida por muitos anos pela frente. O esgoto, não. E se continuarmos nesse ritmo de expansão, esse passivo vai se arrastar por muito mais tempo”, disse.
Além disso, o prefeito também chamou atenção para a desproporção entre o crescimento de empreendimentos e a demanda real por hospedagem. A taxa média de ocupação dos hotéis licenciados caiu nos últimos anos: de 63,7% em 2022 para 45,3% em 2024. “O público não está crescendo na mesma proporção dos empreendimentos. Vai haver defasagem de ocupação nos hotéis e restaurantes”, alertou.
O decreto sobre hotéis
O Decreto nº 2277/2025 suspende por 180 dias a análise de novos protocolos para hospedagens transitórias – hotéis, pousadas, resorts e similares – com mais de 20 unidades. A exceção são os projetos inseridos em operações urbanas consorciadas ou urbanismos considerados relevantes, como o caso do Monte das Orquídeas ou da Vila Suíça. Também não serão afetadas regularizações de empreendimentos concluídos ou em construção.
“Essa pausa é necessária para pensarmos para que lado queremos induzir o desenvolvimento hoteleiro. Já passamos de 50 mil leitos se contarmos plataformas como Airbnb. É um número altíssimo”, disse o secretário de Planejamento, Rafael Bazzan.
O decreto sobre restaurantes

Já o Decreto nº 2302/2025 mira exclusivamente a área central da cidade – o chamado Zoneamento 1.1 do Plano Diretor (foto) –, e suspende por seis meses os novos pedidos de alvarás para restaurantes, bares e similares com mais de 20 cadeiras. São exceções os casos em que o projeto já está aprovado ou em andamento, restaurantes dentro de hotéis ou parques, trocas de CNPJ em locais licenciados, e situações com análise de viabilidade já deferida.
“Somamos hoje 318 restaurantes, com mais de 26 mil cadeiras. A projeção era de mais 40 empreendimentos em pouco tempo. Esse crescimento causa impacto na mobilidade, na água, no saneamento, no turismo e na saúde pública”, destacou a procuradora-geral Mariana Melara Reis.
A reação dos empresários e os desdobramentos esperados
Durante a apresentação dos decretos representantes de entidades apoiaram a decisão. Um dos dirigentes do setor de hospedagem, o presidente do Sindtur Serra Gaúcha, Cláudio Souza, considerou a medida como “serena e necessária”, avaliando que a cadeia produtiva estava empobrecendo com o excesso de oferta e que a cidade precisava equilibrar fluxo e ocupação.
“A temporada e o Natal Luz deste ano serão difíceis, e não por falta de trabalho, mas por uma crise econômica. A saturação dos empreendimentos já impacta na rentabilidade”, disse um hoteleiro presente.
O presidente da Abrasel, Marcelo Watzlawick, também manifestou apoio: “É um momento de responsabilidade diante do crescimento da cidade. O setor de alimentação entende a pausa como uma chance de pensar no futuro com mais equilíbrio”.
O pano de fundo econômico
O prefeito Nestor Tissot aproveitou o momento para alertar sobre a queda na arrecadação municipal. Segundo ele, no primeiro quadrimestre de 2025, Gramado arrecadou R$ 20 milhões a menos do que no mesmo período do ano anterior. “A conta não está fechando. As despesas aumentaram demais com saúde, educação, infraestrutura e segurança”, explicou.
Ele também criticou o fato de boa parte da construção civil local não aquecer a economia do município: “A maioria das construtoras, materiais e engenheiros vêm de fora. Até as notas fiscais são emitidas em outros municípios. Então dizer que parar a construção trará prejuízo local é uma meia verdade”.
O impacto da venda de fracionados e cotas imobiliárias
Outro tema abordado foi o avanço das vendas de imóveis fracionados no centro de Gramado, apontados por Tissot como um dos problemas decorrentes do descontrole na construção. “Hoje, os prédios de apartamentos continuam liberados, mas isso também poderá ser revisto. É uma questão que precisa ser repensada com urgência”, afirmou.
O prefeito declarou ser favorável a iniciativas voltadas para a construção de moradias populares e acessíveis, uma carência grave na cidade, mas demonstrou preocupação com a saturação de empreendimentos de alto padrão voltados ao turismo: “A cidade não aguenta mais do mesmo. Está na hora de redirecionar os investimentos”.
Sugestões e alternativas
Tissot sugeriu que investidores comecem a considerar outros tipos de empreendimentos, como centros de convenções. “Já falei para hoteleiro: para que mais um hotel? Faz um centro de convenções. Isso sim vai atrair congresso, movimento econômico, turismo de negócios. E só depois, se for necessário, pode pensar em mais hotel”, argumentou.
O secretário Rafael complementou dizendo que o plano diretor aprovado em 2022 já previa um limite de 150 unidades para hotéis e edifícios multifamiliares, mas que será necessário debater novamente esse número, induzindo o uso hoteleiro para regiões específicas e restringindo em outras.
Participação popular e ajustes futuros
A Prefeitura deixou claro que os decretos podem ser prorrogados ou revogados antecipadamente, conforme o andamento dos debates com conselhos, sindicatos e entidades representativas da cidade. “Esse tempo é para pensar. Vamos ouvir sugestões, críticas e construir um novo momento para Gramado”, reforçou o prefeito.
“Estamos organizando os ajustes no plano diretor. Muitas diretrizes não funcionaram como o esperado. Esse intervalo vai nos permitir atualizar a legislação com base em dados reais”, pontuou Rafael.
Crédito: Leonardo Santos/JIH