Coluna publicada no dia 05/09.
Por Phillip Handow Krauspenhar, advogado tributarista
Imagine a cena: sua empresa vence uma licitação milionária que pode garantir seu futuro, mas para assinar o contrato, precisa de uma simples certidão de regularidade fiscal. No entanto, o negócio da sua vida está prestes a ir pelo ralo porque um “gargalo sistêmico” da Receita impede a emissão do documento, e o prazo final se aproxima perigosamente.
Esse cenário de pesadelo para qualquer empresário aconteceu de verdade com uma empresa de engenharia em Goiás, mas o desfecho da história traz um alento sobre como o bom senso pode superar a rigidez da máquina pública. Em uma decisão liminar, a 2ª Vara Federal Cível não apenas concordou com o contribuinte, como também criou uma solução inovadora para garantir seu direito.
A empresa havia aderido a uma transação tributária, mas não conseguiu quitar a entrada, ironicamente por supostos atrasos de pagamento do próprio poder público, o que levou a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) a cancelar o acordo. Logo em seguida, a companhia venceu uma licitação de quase R$ 8 milhões, momento em que a necessidade da certidão fiscal se tornou urgente e o problema começou.
Ao tentar aderir a um novo parcelamento para resolver a pendência, a empresa foi barrada pela PGFN sob a justificativa de que era preciso aguardar o “retorno sistêmico” dos débitos, um limbo burocrático sem prazo para acabar. Na prática, a companhia se viu em um beco sem saída, pois queria pagar e tinha um edital disponível para isso, mas o sistema simplesmente não permitia.
Foi aí que a Justiça entrou em cena, acatando o argumento técnico e fundamental da defesa de que o próprio edital do programa diferenciava o “cancelamento” do pedido da “rescisão” do acordo. O cancelamento, que foi o caso da empresa, ocorria por falha no pagamento da entrada e não gerava penalidades, enquanto a rescisão, que pressupõe o descumprimento de um acordo já firmado, era a única hipótese que impedia uma nova negociação pelo prazo de dois anos.
O juiz Jesus Crisóstomo de Almeida acolheu a tese, destacando em sua decisão que um impedimento puramente técnico como o “retorno sistêmico” não possui amparo legal para se sobrepor ao direito do contribuinte de se regularizar. Segundo o magistrado, a finalidade dos programas de transação é justamente facilitar a quitação de débitos, e não criar barreiras intransponíveis.
A situação vivida pela empresa goiana parece um capítulo moderno do pesadelo burocrático descrito por Franz Kafka em “O Processo”, onde a lógica se perde em um labirinto de regras sem sentido. Felizmente, neste caso, o Judiciário atuou como uma saída de emergência desse labirinto, aplicando os princípios da razoabilidade e da eficiência que deveriam guiar a própria administração pública.
O ponto alto da decisão, e que a torna tão relevante para outros empresários, foi a solução prática encontrada para a urgência do caso. O magistrado não só determinou que a PGFN liberasse a adesão ao novo programa em 24 horas, como também estabeleceu que, se a certidão não fosse emitida a tempo, a própria decisão judicial serviria como substituto legal do documento para garantir a licitação.
Este caso serve como um importante precedente, mostrando que o contribuinte não precisa ficar refém da inércia ou das falhas dos sistemas do Fisco, pois obstáculos técnicos não podem impedir o exercício de um direito. É uma vitória da lógica e um lembrete de que a Justiça pode intervir para garantir um jogo justo, pois, como ensina o adágio jurídico, ‘o direito não socorre aos que dormem’, e a Justiça de Goiás provou que também não deve socorrer aos sistemas que ‘travam’.