Coluna publicada no dia 06/06.
Guilherme Dettmer Drago. Sócio de Reimann & Drago Advogados Associados. Professor Universitário
Há um futuro para o Brasil, sim. Ele chega todo mês, em forma de boletos, impostos e manchetes tímidas sobre contingenciamento. Não é um futuro promissor, mas é um futuro teimoso, que insiste em vir mesmo quando ninguém o convida. E ele tem um número: 94.
Não é a nota de um aluno aplicado, nem o índice de aprovação de uma política popular. É o percentual do orçamento público já comprometido com despesas obrigatórias. O Brasil acorda todo dia com apenas 6% de margem para investir — o resto está hipotecado a salários, aposentadorias, juros da dívida e outras âncoras do presente.
Não se trata de um desequilíbrio orçamentário acidental. Trata-se de uma arquitetura meticulosa, onde cada tentativa de respirar encontra uma parede de obrigações legais. O Brasil construiu uma máquina estatal que só anda para dentro, jamais para fora. Um monstro que come o futuro no café da manhã e arrota em forma de PEC à tarde.
Enquanto isso, o investimento público — aquele que deveria construir escolas, estradas e hospitais — virou peça de museu. Está exposto ao lado do plano ferroviário de Juscelino, da reforma tributária de Fernando Henrique e da autossuficiência do petróleo prometida em rede nacional. A cada ano, o investimento como proporção do PIB cai um pouco mais, e com ele, cai a chance de sair do buraco.
Mas sempre há espaço para criatividade. E a criatividade fiscal brasileira é lendária. Quando não há dinheiro, inventa-se. Como? Inflando o que é possível: cria-se um fundo, um novo tributo disfarçado de contribuição, ou uma meta fiscal com a flexibilidade de um elástico de cabelo. A fórmula é conhecida: não se corta gastos, apenas se aumenta o fardo para o contribuinte. Afinal, quem melhor para salvar o Brasil do que o próprio brasileiro — pagando mais caro pelo mesmo serviço que não vem?
E aqui entra a ironia digna de peça de Nelson Rodrigues: o dinheiro vai acabar não porque faltou arrecadação, mas porque sobrou rigidez. Com as despesas engessadas e receitas insuficientes para cobrir os compromissos de sempre, a data da exaustão não é uma incógnita, mas uma contagem regressiva. Projeções técnicas (com boa vontade e café forte) sugerem que, mantido o atual ritmo de expansão das despesas obrigatórias acima da inflação e do crescimento, a margem para investimentos desaparecerá por completo até 2027. Isso mesmo: em dois anos, o Brasil poderá ser um Estado funcionalmente falido — capaz de pagar salários e rolar dívida, mas incapaz de construir qualquer coisa nova.
Mas não se preocupe. Até lá, haverá uma nova manobra, uma nova CPMF rebatizada, uma nova narrativa. O contribuinte não será poupado, nem consultado. Ele apenas será avisado, com aquele jeitinho cordial: “estamos fazendo o possível”. E estarão. Estarão fazendo o possível para que nada mude — exceto o valor da conta.