Coluna publicada no dia 25/07.

A primeira vez que pisei na Central de Triagem de Canela foi em janeiro de 2024. E olha, o cenário era de virar o estômago de qualquer um. Resíduos misturados, desorganização e gente tentando tirar dignidade de um monte de coisa que ninguém mais queria ver. Mas eu vi. E desde então, esse lugar voltou pra essa coluna muitas vezes — porque é ali que mora uma das maiores verdades que a gente insiste em ignorar: o lixo é nosso. E é nossa a responsabilidade também.
Revolução silenciosa
Agora, mais de um ano depois daquela visita, eu voltei lá algumas vezes. A última foi nesta quinta-feira (24), e o que vi foi quase outro lugar. Um espaço diferente, organizado, cheio de gente trabalhando sério, vivendo disso, com orgulho e suor no rosto. A cooperativa COOCAMARH, que começou com 11 pessoas enfrentando montanha de resíduo fedendo, agora tem 34. Isso mesmo, TRINTA E QUATRO. Trinta e quatro famílias que hoje pagam as contas com o que antes ia pra vala. Isso é revolução, minha gente. Silenciosa, invisível pra quem nunca passou de carro pela frente. Mas é revolução.
Fralda e PET
Mesmo com esse avanço todo, tem gente que segue achando que lixo seletivo é tudo igual. Que dá pra jogar fralda suja no mesmo saco da garrafa PET. Pois não dá. Dá nojo. Dá vergonha. E dá prejuízo pra quem tá ali separando, pegando naquilo com as mãos, com o rosto perto, no calor da esteira. Como o Frozi disse lá na entrevista, “tu não tá pensando no ser humano que vai lidar com isso”. E não tá mesmo. A gente ainda precisa aprender a se colocar no lugar do outro. Tá faltando empatia na sacola de muita gente.
Separar o lixo é o mínimo
Não é nem mais questão de boa vontade. Em Canela, separar o lixo é lei. A tal da separação absoluta já vale. Papel no papel, vidro no vidro, plástico no plástico, orgânico no orgânico. E não, tu não precisa saber separar tipo de plástico — quem faz isso é a galera da cooperativa. O que tu tem que fazer é o básico. O mínimo. Separar e colocar no dia certo. Porque até isso o povo confunde. Segunda-feira é dia de orgânico e tem gente largando o seletivo. Aí entope tudo. Aí perde material. Aí quem paga o pato é o pessoal da triagem.
A criança cobra, o adulto reluta
Teve mais de 3 mil alunos que passaram pela Central de Triagem no ano passado. Criança que foi lá, viu o que acontece com o lixo, e voltou pra casa ensinando pai e mãe. E sabe por que isso é tão importante? Porque a gurizada muda. O adulto, não. O adulto justifica, tergiversa, acha desculpa, joga o sofá no mato e depois reclama do mosquito. Já a criança vê, entende e aplica. A escola, hoje, tá fazendo o papel que a casa deixou de fazer. A educação ambiental tá vindo de fora pra dentro. Porque de dentro, tá difícil sair alguma coisa.
O vidro que fura pneu e o óleo que mata o rio
O tanto de coisa errada que a gente faz sem perceber é assustador. Teve pneu da patrola da cooperativa furado por vidro jogado errado. Teve óleo de cozinha despejado direto na boca de lobo no centro da cidade — 40 litros. E aí tu me pergunta: e o que tem demais? Tem que entope cano, suja a água, estraga estação de tratamento, custa mais pra quem faz o tratamento e mais pra ti depois. Tem gente que acha que sumiu da vista, tá resolvido. Pois não tá. O planeta é um só. A cidade também.
E os móveis? E os eletrônicos? E o colchão largado na estrada?
Outro assunto que volta e meia pinga aqui na coluna: o descarte dos grandões. Colchão, armário, sofá, TV velha. Tudo jogado no barranco, na beira da rua, na calçada alheia. Pois agora não tem mais desculpa. Tem o Bota Fora, tem agendamento, tem lugar certo. E se tiver carro, pode levar direto pra Central — de preferência nas terças e quintas. Tu não quer esperar? Leva lá. Mas não larga no meio do caminho. Isso não é limpar tua casa. É sujar a cidade.
E a meta? E os 50%?
A meta é clara: 50% de reaproveitamento dos resíduos. Hoje tá em 36%. Tá longe ainda. Mas só de lembrar que já teve gente que saiu correndo da triagem por causa do cheiro, e hoje tem fila pra entrar, dá pra ter esperança. Esperança de que dá pra mudar. De que o lixo pode ser menos problema e mais solução. Mas depende de mim. E de ti também. Porque a melhor triagem do mundo não dá conta da ignorância que sai lá da nossa cozinha.
Te olha no espelho
Essa coluna não é só pra contar o que tá acontecendo. É pra fazer tu te olhar no espelho da sacola. Tu separa teu lixo? Tu sabe que dia passa o caminhão? Tu joga fora como se ninguém mais fosse tocar naquilo? Porque alguém vai. E esse alguém é um trabalhador. Um cidadão. Alguém que quer criar o filho com dignidade, como tu também quer. Então antes de jogar, pensa. Antes de fechar o saco, pensa. E se coloca no lugar de quem vai abrir.
Até logo
Na semana que vem, essa coluna dá uma pausa. Um tempinho pra descansar, olhar o céu e, quem sabe, pensar nas mesmas coisas por outros ângulos. Mas a pauta do lixo — essa não sai de férias. Essa pauta tá em tudo que tu compra e em tudo que tu larga fora depois.
Então, já que eu vou parar por uns dias, faça o favor de continuar tu pensando nisso por mim. E se puder, visita a Central de Triagem. Vai lá, sente o cheiro, vê o rosto de quem trabalha. E depois me conta se tu ainda joga fralda junto com PET.
Até breve.