Coluna publicada no dia 02/05.
Maio chegou. E olha… não é fácil lembrar. Não é fácil mesmo. Mas a gente decidiu fazer isso. Porque tem histórias que precisam ser contadas — e recontadas. Tem gente que viveu aquilo tudo no osso, na pele, no peito. Gente que ainda está tentando juntar os pedaços. Durante esse mês, a gente vai trazer uma série de reportagens escutando essas pessoas. Gente que sofreu. Gente que ainda sofre. E que tem muito a dizer.
O início da tragédia
Tudo começou de verdade no dia 29 de abril. A chuva caiu forte. E não deu trégua. Dia 30, 1º de maio… e só foi parar no dia 2. Foram dias de tensão, medo e incerteza. Eu lembro que no dia 23 de abril já chovia um pouco e eu estava lá no bairro Três Pinheiros, em Gramado, numa reunião da Prefeitura de Gramado com a empresa responsável pela contenção na Perimetral. Uma obra necessária, porque aquele lugar já tinha sofrido com chuvas antes. Naquele dia começou a chover… e quando chegou dia 29, virou um pesadelo.
As primeiras perdas: mortes em Gramado e Canela
As primeiras notícias começaram a chegar. Mortes. Sete em Gramado. Duas em Canela. As duas de Canela foram do seu Alzimiro e da dona Marina, que morreram no dia 2 de maio. Conversamos de novo com a família deles para essa edição. A dor ainda está ali, viva. É difícil descrever o que é ver o nome de gente conhecida na lista de vítimas.
O dia 3 de maio
No dia 3 de maio, acompanhei a Defesa Civil de Canela. Foi um dia pesado. Andamos para lá e para cá: bairro Santa Marta, depois linha São João. Resgate atrás de resgate. Gente saindo de casa às pressas. Gente que não queria sair de jeito nenhum, mesmo com risco de desabamento. Clima tenso. Clima de medo. E teve uma imagem que me marcou: Uma casa se equilibrando em cima de algumas pedras. Do lado, uma outra que já tinha despencado morro abaixo, mais de 80 metros de queda. É daquelas cenas que grudam na mente e não saem nunca mais.

Família
Esse medo todo não ficou só aqui. Na minha família também bateu forte. Tenho parentes em Canoas. Tiveram que sair de casa. Perderam tudo: eletrodomésticos, móveis, roupas, lembranças. A rotina virou um caos: hotel, depois casa de amigo, depois casa de amigo do amigo… Foram quase 30 dias assim. E mesmo agora, de volta para casa, quando chove, o coração dispara. Eles dizem que qualquer garoa parece o começo de tudo de novo.
A corte da Festa da Colônia e o semblante da tristeza
Também entrevistei a corte da Festa da Colônia deste ano. A rainha Júlia e as princesas Manuela e Ana Paula. Quando perguntei em recente entrevista na rádio Integração Digital sobre o mês de maio do ano passado o semblante delas mudou na hora. O sorriso sumiu. O olhar ficou distante. Elas lembraram dos amigos, das famílias, das perdas. A ferida ainda está aberta para muita gente.
O bairro Piratini: uma cena que ninguém esquece
Para mim, a cena mais brutal veio do bairro Piratini, em Gramado. Foi o pior que vi depois de tudo. O bairro parecia ter sido arrancado do chão. Conversamos com moradores que tiveram que sair correndo. Alguns não conseguiram salvar nada. A maioria viu suas casas desabar. Era barro, escombro, silêncio e choro. O bairro foi despedaçado.
Cicatrizes que não fecham
Canela, Gramado, Rio Grande do Sul…A gente sofreu. E ainda sofre. Ninguém saiu igual daquilo. A cidade ficou com cicatriz. E a gente também. Agora, em maio de 2025, a gente volta nesse túnel do tempo. Mas não para reviver a dor. É para lembrar da força. É para olhar no olho de quem ficou e dizer: a gente viu. A gente viu o que vocês passaram. E a gente não vai esquecer. Porque esquecer seria desrespeitar. Seria fingir que não doeu. E doeu. Então segura a nossa mão e vem com a gente. Esse mês vai ser intenso.