CANELA – Com o lema enraizado na mente e nas ações milhares de bombeiros saem de casa diariamente para proteger a população canelense, gaúcha e brasileira, sem a certeza que poderão voltar para suas famílias. Neste domingo (2) foi comemorado o Dia Nacional do Bombeiro Brasileiro e para ilustrar a data a reportagem irá contar a história do 2º Sargento Roger Martins, lotado no Corpo de Bombeiros Militar de Canela, que irá completar 20 anos de carreira em dezembro.
Natural de Rio Grande, no sul do Estado, Roger teve como profissão a função de cinegrafista em uma emissora de TV, mas um estalo, causado pela falta de satisfação e alegria no trabalho, fez com que o adolescente, então com 17 anos, se interessasse em se tornar um salvador.
“Antes de eu ser bombeiro, eu era cinegrafista e tive uma produtora de vídeos. Andava com uma câmera no ombro. Meu primeiro sonho foi ser cinegrafista do Globo Repórter, mas um dia um estalo fez eu ver que não era aquilo que eu queria”
A vontade de fazer concurso surgiu do apoio de um primo que já fazia parte da corporação. “Quando minha mãe ficou sabendo enlouqueceu. Foi uma briga”, brincou. Roger correu atrás para fazer o concurso e levou o irmão mais velho como companheiro. “Acabei correndo atrás. Puxei meu irmão, o Rogério que até hoje trabalha aqui comigo. Fizemos a inscrição. Corri atrás de tudo porque eu queria muito”, relatou.
Concomitantemente aos estudos para o concurso, com 18 anos, serviu o Exército Brasileiro. Pouco tempo depois, voltou a trabalhar na TV, por cerca de um ano. Quando completou 21, Roger foi integrado ao Corpo de Bombeiros, em Porto Alegre. “Levei meu irmão para tudo, fizemos o concurso, se formamos, trabalhamos e moramos muito perto um do outro”, contou.
Da capital, Roger foi trabalhar na cidade natal, em Rio Grande. Depois, Bento Gonçalves, Caxias e Canela, onde mora desde 2006 com a esposa Catia e os filhos Wender e Gabriela.
“Desde que me formei foquei muito na profissão. É um tripé de coisas que eu levo como prioridades: a família, profissão e a religião. O trabalho é muito gratificante, não tem preço, sempre me dediquei ao máximo. Aprendi demais, tive treinamentos, especializações e experiências”, compartilhou. O sargento é formado em Direito e possui uma pós-graduação em Segurança Pública.
A primeira ocorrência
Roger entrou de serviço pela primeira vez no dia 25 de dezembro de 2003, às 20h. Um chamado, 2h depois, marcou a vida do, ainda, jovem soldado. Um acidente entre um ônibus e um veículo de passeio vitimou duas pessoas naquela noite de Natal, há quase 20 anos.
“Teve uma que marcou muito a minha carreira, na cidade de Bento Gonçalves, foi primeira ocorrência da minha vida. Eu me formei e no dia 25 de dezembro de 2023, às 20h, entrei de serviço e, às 22h, fomos acionados para atender um acidente entre um carro e um ônibus, que vitimou uma jovem de 18 anos e um homem de 25. Chocou bastante, o veículo de passeio entrou na frente do ônibus da Planalto. Lá em Bento nós tínhamos que comunicar os pais, fomos até a casa e uma idosa, avó da jovem, nos atendeu. Ela tinha um problema de saúde, foi muito tenso, por isso me marcou tanto”, revelou.
Entre as centenas de atendimentos, o sargento citou uma em especial: o salvamento do Bernardo há dez meses, quando o bebê ainda tinha oito dias de vida. Acompanhado do Bombeiro Municipal, José de Souza, Roger executou a manobra de salvamento e conseguiu desengasgar a criança.
“Estávamos na frente do quartel, um carro encostou e os pais saíram desesperados e entregaram a criança engasgada para o José, que me passou a situação. O Bernardo estava bem roxinho. Fizemos o procedimento, com a criança deitada no nosso joelho e dando batidas na escapula. Em um primeiro momento ele não “voltou”, mas conseguimos depois. A gente descobre que deu certo quando a criança chora e sai um pouco do líquido pela boca”, descreveu.
Após isto, Bernardo foi encaminhado ao Hospital de Caridade de Canela (HCC) para avaliação. O pequeno ainda ficou oito dias em observação. “Entregaram o bem mais valioso deles para nós. O filho é a coisa mais importante um pai e uma mãe podem ter. A sensação de poder ter salvo o Bernardo é inexplicável. Por isso estamos nessa profissão, porque amamos”, completou José.
No sábado (24), o Bernardo completou dez meses de vida e ganhou a visita dos dois “heróis”, que inclusive faziam parte da temática da festa, convidados pelos pais André e Mônica. “Foi bom ver ele saudável. O que eu vou te dizer? Ele esta bem, não há explicação. É o nosso serviço, mas o pai ficou com a recordação e valorizou o nosso trabalho”, lembrou José.

“Foi o maior susto de nossas vidas. Graças a Deus, o Roger estava no lugar certo, auxiliado pelo seu José que foi eficiente no serviço para salvar o Bernardo. Todos os segundos fizeram diferença, assim como a técnica utilizada pelo Roger. Passar por essa experiência é ver o mundo desabar, ver o sonho pensado e planejado que pode ser perdido pela infelicidade do acaso. Com ele salvo, vimos que ter fé em Deus e acreditar no trabalho das pessoas também ajuda muito. Eles não salvaram só uma criança, mas uma família inteira”, explanou André, pai do Bernardo.
Como proceder com o fracasso em ocorrência?
Questionado sobre como as guarnições reagem com o fracasso em ocorrências, Martins destacou que os agentes costumam se reunir e falar sobre o que aconteceu para não acabar causando danos psicológicos.
“Quando temos um fracasso que foge ao nosso trabalho, nos reunimos e conversamos. Não fica cada um no seu canto. Por vezes, quando ocorre um incêndio e as pessoas perdem tudo, chegamos quietos no quartel e vamos conversar sobre o fato para não agravar um problema psicológico que pode se estabelecer. As nossas famílias também são muito importantes nesses momentos. É triste quando alguém falece nos nossos braços ou quando chegamos e somos a esperança das pessoas, mas nem sempre é a realidade. O herói que usa capa são outros, fazemos o nosso trabalho, tentando evitar que o pior aconteça”, projetou, ele frisando o companheirismo do grupo de trabalho.
Abordagem com as vítimas
O sargento aproveitou para explicar como funcionam os processos de atendimento e salientou como passar calma às vítimas nas ocorrências. “É muito difícil quando há uma situação adversa e que foge ao controle, mas sempre levamos que a pessoa tem que ter um conhecimento de casa. É complicado chegar e dizer para que a vítima se acalme, mas por telefone começamos o nosso trabalho de resgate. Estamos no quartel e ligam para cá, neste momento buscamos fazer uma triagem para saber o que aconteceu. As pessoas ligam muito nervosas e uma simples palavra pode fazer diferença”, descreveu.
Roger explica que, em muitas oportunidades, as instruções começam por meio do telefone. Ele explica também que o deslocamento deve ser em segurança, que apesar de a sirene ter prioridade, deve respeitar as leis de trânsito.
“Orientamos, dependendo da situação, que o cidadão já comece uma massagem cardíaca ou não mexa na vítima. Por telefone, já conseguimos instruir a pessoa. O segundo passou é deslocar com segurança, por isso temos a sirene. Quando tem o barulho tem de haver a compreensão dos motoristas para dar espaço para passagem, mas não significa que eu passe reto em todos os lugares. Nós também trabalhamos com o Código de Trânsito Brasileiro”, sublinhou.
É comum para que acompanha muitas ocorrências conviver com a comunidade curiosa acerca do que ocorreu. Martins exemplifica que os “curiosos” podem acabar atrapalhando o andamento de um atendimento, com comentários ou até colocando a própria integridade em risco.
“Chegamos aos locais e tem muitos curiosos e falando: ‘Nossa! A perna do cara está presa’, acontece direto. É comum a pessoa que está presa pensar que perdeu a perna e se desesperar. Tentamos, com educação, isolar essas pessoas, até por riscos de explosão e respingos de resíduos. A calma é inerente a pessoa, é difícil pedir para a vítima, ainda mais quando está perdendo todos os pertences ou até a vida”, complementou.

O que é ser bombeiro?
Roger mandou um recado para os jovens que se interessam pela profissão e enumerou algumas características que podem ser adotadas. “Para seguir a profissão tem que ter o Dom e gostar de atender pessoas. Não pode ter preconceitos e visões individuais, tem gostar de animais e coisas radicais. A atividade final é adrenalina, podemos parar em operações aquáticas, aéreas e terrestres. O conselho que eu dou é estudar, lidamos com equipamentos caros. O bombeiro tem responsabilidade sobre as coisas e a população”, disse.
O sargento continuou a fala enaltecendo as atribuições e ratificou que a profissão é nobre e para quem ama salvar e atender pessoas. “É uma profissão nobre, mas é de risco. Tu vai participar 30 anos dessa atividade, fomentar o orgulho da família. É uma função que exige muito o trabalho mental e que não vai te dar riqueza, é para quem verdadeiramente ama”, finalizou.